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Meus amigos quebram

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Meus amigos estão quebrando.
Estão tendo ataques de pânico do nada nos botequins do São Mateus. Levantam-se depressa, suados, touros que são para beber e comer, dizendo que precisam ir, sem explicar exatamente o motivo – até porque não sabem mesmo – e vazam.
Estão quebrando quando têm tudo de que precisam, quando já não trabalham tanto, quando têm uma vida estável e sem solavancos, com casa, dinheiro, saúde, mulher, cachorro e filhos. Ainda assim estão quebrando.
E acordam com o chumbo da noite pressionando seu peito, olhos arregalados divisando fantasmas nas sombras do teto.
Eu os vejo ao redor, trêmulos, aflitos.
Meus amigos estão quebrando também porque trabalham demais e sentem que são os exploradores de si mesmos quando pegam um e outro e outro trabalho para conseguir dinheiro, para saldar as contas, para ter um mínimo de dignidade.
E sonham com um tempo livre e trabalham loucamente por um tempo livre e quando conquistam o tempo livre estão cansados demais para aproveitá-lo.
Meus amigos entendem mais de zolpidem do que de barolo, e entendem de fluoxetina, sertralina, clonazepam, bromazepam, trazodona, bupropiona, crendospai.
Não conseguem ver um filme inteiro sem parar. Não conseguem ler um livro. Entediam-se e se agitam. Ficam preocupados se não têm alguma preocupação para se ocupar. Já não escrevem poesia em guardanapo de papel, não cultivam flores, não compõem músicas, não fazem pão.
E quebram. Quebram porque não conseguem deixar de ouvir o tic-tac do relógio. Ainda não têm 40, 50 anos e quebram porque se sentem velhos como a Terra – mas não sabem como engatinhar pelas próximas décadas.
Andam irritadiços, iracundos, explosivos.
Descrentes.
Cínicos.
E assim quebram, porque já não conseguem amar como amaram um dia. Porque sentem definhar o entusiasmo e naufragar a confiança. Veem-se impostores, embustes, estelionatários.
Meus amigos precisam ajudar-se uns aos outros, perdidos demais que estão em suas próprias misérias, ressequidos e cinzentos. Precisam reconhecer-se uns nos olhos dos outros e voar juntos para fora da borrasca furiosa de desejos artificiais e medos inexatos. Mergulhar no mar revolto. Pacificar a água. E nela fluir.

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