Ele apareceu primeiro em um perfil pseudojornalístico. Dançava “Macarena” junto com outros dependentes químicos em frente a um Jeep Compass. O hit inevitável ribombava pelas janelas do carrão. Foi filmado por algum outro motorista que trafegava pela Avenida Brasil e o vídeo viralizou.
Bonito demais pra ser cracudo. A cabeleira loura desalinhada lembrava mais um estudante de ciências sociais ali pelo quarto período da faculdade. No meio da gente preta e parda varrida para baixo do tapete da civilidade, destacava-se o rapaz de olhos piscinais.
Não demorou muito para uma jornalista toda trabalhada nas artes do S.E.O. ver ali uma oportunidade: “Vamos fazer uma entrevista com ele. Já tenho até o título: ‘O Loirinho da Cracópolis'”. O editor, um homem em crise de meia idade que usava métricas e cliques como repositores hormonais, encampou a ideia.
Alguém questionou se o termo “Cracópolis” não seria um pouco exagerado, ou se não configuraria oportunismo, mas outro alguém logo respondeu que “o que importa é a embalagem”. “E Cracolândia, ai credo, é muito cringe.”
Nascia assim uma nova celebridade. O Loirinho da Cracópolis estampou sites e redes sociais e noticiários de TV e podcasts. Entrevistaram sua família em Ervália. Ex-namorada em Tocantins. Todos se afeiçoaram por sua história, por seus caracóis dourados e por seus olhos de topázio.
E como o mundo tem muita gente de bom coração, não tardou o Loirinho ganhou de afamado plano de saúde um tratamento contra a dependência química. Para recebê-lo, precisava apenas permitir que todo o processo fosse filmado e divulgado pela empresa. “É importante oportunizar a geração de conteúdo para inspirar e edificar nossa sociedade”, disse o “head” de marketing.
Também ganhou apartamento de uma incorporadora, que enfrenta alguns processos por trabalho escravo mas tem excepcionais projetos de inclusão social. Foi chamado a mesas-redondas de futebol, a debates sobre saúde pública e a estrelar comerciais de cosméticos. Um livro está em produção, com direitos já vendidos para um serviço de streaming.
O Loirinho da Cracópolis se tornou um íntimo de toda a gente, um fenômeno nacional com pele ferruginosa e olhos marinhos. Quatro ou cinco partidos políticos disputam sua filiação, e a expectativa é de que concorra para vereador no pleito do ano que vem.