Juiz de Fora, 34 de dezembro de 2020.
É domingo e a chuva cai lá fora, formando enxurrada e levando para as bocas-de-lobo rolha de espumante, caixa de sapato, guimba de cigarro, saquinho do Mary Milk. Só não leva embora o ano que permanece grudado nas coisas.
Grudado na casa do vizinho que gosta de batucar seu cajón e hoje silencia. Na Bombonera vazia para Boca x River. No entregador que chega triste em sua motoca – até o vermelho da lanterna é melancólico quando se vai na neblina que arrenda o ar nas bordas da BR-040.
Pela primeira vez na história do Brasil, dezembro avançou para além do dia 31. Não respeitou foguetório, Neymar embrulhado em papel-alumínio, sete pulinhos sobre as ondas. Iemanjá sequer apareceu para buscar oferendas. Más línguas dizem que foi vista de mala e cuia deixando a orla de Praia Grande por conta de súbita poluição na água.
Estranhíssimo, passou o 31 de dezembro de 2020, deu meia-noite e 2021 não chegou. Em seu lugar veio a sexta 32, o sábado 33, o domingo 34, domingo úmido em que escrevo esse desabafo. Dezembro estica-se no limbo entre a velha folhinha e a nova que ninguém ousa pendurar, pois os dias permanecem impregnados de uma angústia que não desvanece.
É ideia fixa: o pedido de Natal mais recorrente foi vacina, o desejo de Ano Novo foi vacina, para o carnaval queremos mais vacina que queremos samba, suor e cerveja, para a Páscoa trocaremos todos os ovos da Kopenhagen e alfajores da Havanna por vacina. Deus queira que em junho pulemos fogueira com a bunda latejando de vacina, valei-me São João!
O ano de 2020 segue agarrado como aquela visita que não se manca nem com vassoura atrás da porta. Como aquele camarada debruçado sobre o balcão no último bar aberto na mais longa madrugada do Brasil. Como um LP acabado tocando os mesmos dois segundos de chiado. Um soluço que não passa com água nem com susto – e tome susto! O ano de 2020, epidemiológico leitor, é uma febre que não vai embora. Só mesmo com vacina.