Esse termo “resistência”. Tão banalizado nessas manhãs aterradoras. Como tantos outros termos banalizados nessa necessidade desesperada de pertencimento dessas gentes tão conectadas umas às outras e tão miseravelmente solitárias atrás das palmas luminosas das suas mãos mortificadas. “Afeto”. “Amor”. Banalizados até o ressecamento completo dos sentidos.
Escrevi sobre resistência aqui outro dia. Talvez tenha escolhido mal a palavra. Talvez devesse ter usado outro termo em vez de “resistir”. Como “suportar”. “Aguentar”. Resistir no sentido de não desistir, e não de oferecer resistência. Resistir no sentido de persistir, e não de oferecer oposição. Resistir no sentido de não resistir.
Como o lutador de aikidô resiste a seu oponente, flutuando sobre o dojô.
Sem estalos.
Sem sobressaltos.
Sem ossos quebrados.
“Controlar a agressividade sem causar danos é a Arte da Paz”, ensinou Morihei Ueshiba uma centena de anos atrás.
Resistir como a dançarina resiste a seu par. Harmonia e fluidez. Seguir adiante, não parar, transformar o peso em leveza, a violência em beleza, usar a opressão a favor da graça.
Resistir como o surfista que não resiste à força da água.
Ando com o poema de Alberto Pucheu na cabeça, “o dia em que gottfried benn pegou onda”. Começa assim: “É preciso aprender a ficar submerso / por algum tempo. É preciso aprender. / Há dias de sol por cima da prancha, / há outros, em que tudo é caixote, vaca, / caldo. É preciso aprender a ficar submerso”.
É tempo de absorver o impacto. Não de parar, mas de manter-se em movimento harmonioso com tudo que nos cerca e nos atravessa e nos fere. Esse mundo de água e fúria. Fazer da força do oponente nossa propulsão. Dançar tão – aparentemente – sem rumo e mover-se em direção à luz.
Não como os insetos que procuram na lâmpada a morte.
Mas como o surfista que, perdido de sua prancha e quase sem ar, mira o sol através do peso – aparentemente – insuportável da água.