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O telefone móvel nos tornou imóveis. Ou quase isso.

Explico.

Vejo o menino entrando com a mãe no consultório da oftalmologista. A primeira coisa que faz _ nem bom dia, nem boa tarde _ é pedir a senha do wi-fi, que a moça da recepção soletra mecanicamente. A segunda é achar um canto onde haja tomada para ligar o carregador da bateria do celular.

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É o que estes objetos, desenvolvidos para permitir a mobilidade nas comunicações, estão fazendo conosco: nos chumbando às paredes.

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Nos locais públicos, os assentos mais disputados são os mais próximos das fontes de energia. É assim nos aeroportos, nos cafés, nas redações de jornal e nos cômodos dos lares brasileiros, nos condomínios fechados e nas favelas.

Lembro-me de um texto fabuloso de Julio Cortázar, “Preâmbulo às instruções para dar corda no relógio”, no livro “Histórias de cronópios e de famas”.

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Na tão brilhante quanto breve narrativa, o escritor argentino explica como, quando você ganha de presente um relógio, na verdade está ganhando um monte de aporrinhações, como a necessidade de dar corda, a obrigação de olhar a hora, o medo de perdê-lo.

Com os modernos smartphones é a mesma coisa.

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Ao comprar um desses artefatos tecnológicos, o cidadão compra para si a obrigação de estar ancorado a uma parede que seja dotada de tomada e, assim, manter o aparelho devidamente carregado, sem o risco de desligar. Que horror é ficar incomunicável nesses dias!

Mas a esta altura o astuto leitor já questionou: será que esse cronista destrambelhado não sabe que existem capinhas que carregam o celular? Que existem carregadores solares? Que está em desenvolvimento uma película que abastecerá a bateria com luz do sol?

Sei de tudo isso.

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Sabê-lo, entretanto, não muda a realidade das coisas.

Ficarmos presos por fios às paredes é apenas uma metáfora para os verdadeiros grilhões que nos escravizam. Pois se precisamos do celular carregado é para estarmos conectados à internet, disponíveis para mensagens e ligações. Encontráveis. Acessáveis e acessíveis.

Quando compra um smartphone, você compra também a obrigação de estar disponível 24 horas para sua lista de contatos. De compartilhar suas viagens no Instagram. Suas opiniões no Facebook. De responder à mensagem do WhatsApp tão logo apareçam na tela do interlocutor os dois benditos risquinhos azuis.

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Parafraseando Cortázar, quando te dão um smartphone, sagaz leitor, o presente na verdade é você.

Você é o presente que o smartphone ganha de aniversário.

 

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