Nosso patrão Mark Zuckerberg, esse para o qual trabalhamos de graça gerando conteúdos no Facebook e no Instagram, a quem entregamos nossos dados e intimidades, anunciou por esses dias a criação do Metaverso. Para um nerd de meia pataca como eu, alfabetizado nas revistas em quadrinhos, o termo soou como algo saído de uma história da Liga da Justiça. Até vejo o título berrando na banca de jornais: “Perdidos no Metaverso!” escrito em fonte vermelha no alto da capa, e abaixo as figuras de Batman, Aquaman, Super-Homem, Mulher-Maravilha, Flash e Ajax, o Caçador de Marte, rodopiando num vórtice multicolorido desenhado por George Pérez.
Passada a impressão inicial, descubro que é um pouco diferente disso. Li alguns artigos sobre o assunto, assisti a um vídeo do patrão Zuck anunciando a novidade, e o Metaverso me parece uma versão mais cara de The Sims, aquele jogo para computador que consiste em uma simulação de vida real. Um universo digital paralelo ao nosso, mas ao mesmo tempo imbricado com ele, onde teremos avatares para viver uma outra vida. Ou várias outras vidas. Para isso, o Metaverso aposta em tecnologias de realidade virtual e de realidade aumentada – quando elementos digitais (holográficos?) são sobrepostos ao mundo real.
Parece-me, conectado leitor, que em larga medida já vivemos em uma versão menos futurística do Metaverso. Senão vejamos quanto tempo passamos fuçando em nossos aparelhos celulares, mergulhados em redes sociais, imersos em joguinhos, num correr frenético de dedos que nos extrai e nos distrai do mundo real. Aliás, é preciso repensar essa dicotomia mundo real x mundo virtual. A única coisa que não é real no ambiente digital é a concretude física das coisas. Por enquanto. Pois tudo que fazemos acontecer dentro das telas é tão real quanto a realidade pode ser: nos emocionamos, ofendemos, rimos, choramos, mentimos… vivemos, enfim. É justamente essa última barreira da fisicalidade – ou de uma ilusão bastante convincente da fisicalidade – que o patrão Zuck quer derrubar.
Ele promete não apenas diversão, não apenas a conexão entre as pessoas, mas a criação de um novo universo, onde se possa aprender, viajar, trabalhar. O prefixo “meta”, oriundo do grego, pode exprimir a ideia de algo que está em posição posterior, que vem em seguida, mas também as noções de mudança e transcendência. O Metaverso seria, então, um universo transcendente, um universo adiante, uma próxima forma de existência. As imagens que meu cérebro criam a esse respeito, confesso, são mais sombrias do que aquelas multicoloridas apresentadas no vídeo do patrão Zuck. Tendo a pintar em cinzas hospitalares e detalhes ferruginosos as figuras de pessoas pálidas deitadas em macas anatômicas, as caras enfiadas em capacetes lunares e os braços enfiados de canos plásticos, por onde circulam mágicas vitaminas intravenosas.
Mas cá estou eu falando do que não entendo. Cibernética, realidade virtual, realidade aumentada… quem sou eu no rolê da inteligência artificial, afinal? É tudo um grande e insondável mistério. A meu favor, ao menos posso convocar Clarice Lispector, que transcendeu antes e abençoou toda humildade atrevida: “Mas o amor é mais misterioso que o cérebro eletrônico e no entanto já ousei falar de amor. É timidamente, é audaciosamente, que ouso falar sobre o mundo”.