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Seu João

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Domingo estivemos no aniversário do Seu João. Não sei quantos, mas muitos anos. Muitos mesmo.

Levamos uma garrafa de vinho, algo assim meio protocolar, nem sei se ele ainda bebe. Às 11h o Seu João ordena. “Pega o vinho lá em cima da minha mesa e abre logo, menino.” O menino era outro, mais velho que eu.

Seu João fala alto pra burro, porque é meio surdo. E daí a gente acaba falando alto também. Fica parecendo almoço de italianos, embora Seu João seja apenas cataguasense criado às margens do Pomba.

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A conversa só para quando gorjeia o telefone, que não se cansa de tocar. Toda hora Seu João se levanta apoiado na bengala e vai atender alguma ligação.

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Bebemos vinho e o telefone toca.

Almoçamos bacalhau e o telefone toca.

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Comemos pudim e o telefone toca.

Ele atende a todos. Ou todas.

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Cristina. Ilma. Miriam. Márcia. Regina. Algumas que eu consegui identificar – e não me tenham por indiscreto, por favor: Seu João fala alto pra burro.

E às vezes muda a entonação ao telefone: “Prima, sua voz sempre foi muito bonita”, aveluda ele.

Seu João tem muitas primas.

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Elas ligam a tarde inteira. Numa folha grande papel pautado, Seu João vai anotando um por um quem ligou ao longo do dia. Ou uma por uma.

Ele já está no verso da folha quando o Flamengo entra em campo contra o Ceará. Seu João está assistindo, compenetrado, mas o telefone não para.

Vinícius Júnior marca um e o telefone toca.

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Vinícius Júnior marca outro e o telefone toca.

Diego marca o terceiro e o telefone toca.

Antes de o jogo acabar, nos levantamos para ir embora, pois é preciso voltar para Juiz de Fora. Despedimo-nos de Seu João e, na porta, cruzamos com um convidado chegando para dar um abraço e comer um pedaço de torta de nozes com café recém coado.

Eu não sei quantas ligações recebeu ou quantos anos Seu João tem. Mas, da porta do elevador, ouço o visitante me fazer o favor de perguntar.

– E aí, Seu João, quantos anos mesmo?

– Faltam nove, meu filho.

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