A Segunda Guerra Mundial ainda não havia acabado quando o menino Waltencir Parizzi, aos 14 anos, começava a trabalhar “com carteira assinada” na Companhia Central de Diversões, grupo responsável pela administração, durante muitos anos, de 13 cinemas em Juiz de Fora. Hoje, aos 86 anos, ele é a memória viva daqueles tempos em que o cinema era, praticamente, a única diversão. De contínuo, foi a gerente, supervisor e, por fim, assessor da diretoria. Juiz-forano, casado e pai de três filhos, ele ainda divide com a mulher Thereza a paixão pelos filmes: eles guardam 430 DVDs de musicais, dramas, faroestes, suspenses e comédias que fizeram sucesso nas telas do cinema.
CR- Como começou a história do cinema em Juiz de Fora?
Waltencir: No início, a administração ficava por conta da empresa Cinemas e Teatros de Minas Gerais, com sede em Belo Horizonte, posteriormente vendida para a família Caruso até ser assumida pela Companhia Central de Diversões, do Rio. Os últimos donos foram da Companhia Franco Brasileira que, além do Central e do Festival, tinham negócios com o Cine Glória (onde é, hoje, a Galeria Constança Valadares), São Luiz, Palace, Popular, Rex, São Mateus, Auditórium Benfica, Paratodos, Benfica, Excelsior e Real, no Manoel Honório.
– Neste seu período no Central, quais filmes ficaram para sempre na sua lembrança?
– Vou citar alguns que chegaram a colocar três mil pessoas no Central (a capacidade, à época, era de 2.064) em quatro sessões diárias: “Ben Hur”, “O exorcista”, “Os 10 mandamentos”, “O corcunda de Notre Dame”, “King Kong” (1 e 2), “Titanic” e “Sangue e areia”. Na época, eram exibidos três filmes por semana: um faroeste na segunda e terça-feiras; outro romântico ou musical na quarta e quinta, e um filme de aventura na sexta, sábado e domingo. Às quartas, promovíamos uma sessão feminina, cobrando apenas meio ingresso das mulheres e quando o filme terminava, o cinema ficava perfumado ainda por algumas horas. Sem falar na sessão da meia-noite, esta frequentada apenas pelo público masculino.
– A considerar a frequência e públicos de até três mil pessoas, o cinema era um bom negócio…
– Aí é que está o grande engano. As companhias americanas, estas sim, lucravam com as exibições. Elas ficavam com 60% da renda, deixando 40% para os donos que, com esta receita, tinham que pagar o pessoal, contas de luz, água, impostos municipais, etc. Sobrava muito pouco.
– O cinema fracassou por isso?
– Isso e outros fatores conjugados. A concorrência da televisão, a partir de 1955, foi uma das causas. O surgimento de barzinhos e outras opções de entretenimento, também. Com o aumento do número de carros, os chamados “cinemas de beira de rua” (como o Excelsior) acabaram não dando certo por falta de estacionamento, o que não acontece hoje com os shoppings. Naqueles tempos de 50, 60, a gente conhecia as pessoas pelo carro, à distância. E elas se encontravam no cinema, famílias inteiras, todos vestidos a caráter, homens de terno e chapéu, enfim, uma outra realidade.
– Naquela época, que você recorda com saudade, tinha também a figura do lanterninha…
– É (risos). O lanterninha era um funcionário do cinema, encarregado de mostrar, aos que chegavam atrasados e com as luzes apagadas, as poltronas que ainda se encontravam vagas. Mas eles acabaram ganhando fama de “olheiros”, retirando do cinema quem estava beijando, fumando ou incomodando alguém. O mais conhecido deles foi o Vicente Clemente, que trabalhou por muitos anos no Central.
– Você lembrou aí do Cine Glória, que muitos juiz-foranos não conheceram…
– Bem, o Cine Glória funcionava onde é, atualmente, a Galeria Constança Valadares. Uma casa linda, grande e que, como teatro, foi tão importante quanto o Central. Grandes espetáculos do Rio faziam temporadas longas no Glória. Eu me lembro, por exemplo, do incomparável Procópio Ferreira que ficava em Juiz de Fora por duas semanas e encenando uma peça a cada dia. Sua filha Bibi Ferreira, Grande Otelo, Oscarito, Rodolfo Maia e várias companhias de ópera eram presenças constantes em Juiz de Fora, ao lado de Marlene, Emilinha Borba e dos campeões de audiência da Rádio Nacional do Rio, Cesar de Alencar e Manoel Barcelos.
– Além de cinema e teatro, a que mais o Central servia?
– Todas as formaturas da Universidade eram realizadas lá, assim como as de colégios mais tradicionais como o São José, Machado Sobrinho e a Escola Normal. Sem falar nos grandes festivais de música popular brasileira que fizeram história na cidade, revelando músicas que até hoje fazem sucesso.
– Sala anexa ao Central, como nasceu o Cine Festival?
– Foi curioso. No espaço funcionava a administração, mas a diretoria, depois de observar o sucesso dos cinemas de arte no Rio, me pediu que pensasse num projeto igual para Juiz de Fora. Adaptamos, aquele único espaço para um pequeno cinema de 105 lugares, inaugurado pelo então prefeito Itamar Franco e o secretário Murílio Hingel. Mas o público reduzido fez com que a ideia durasse apenas dois anos. Por sinal, um frequentador diário era o jornalista e crítico Décio Lopes, já falecido. O Festival virou, então, uma sala para reprisar os filmes que já haviam passado nos grandes cinemas.
– Que grande diferença você observa nas projeções de hoje em relação à sua época?
– Na minha época, a exibição de um filme obedecia a um verdadeiro ritual. Na entrada, o público recebia um folheto com tudo o que seria exibido na tela, desde comédia, noticiários e lances de gol pelo Canal 100. Depois, ainda com as cortinas de veludo fechadas, vinha o prefixo do cinema com a consagrada opereta “Cavalleria Rusticana”, do italiano Mascagni, até os sinais luminosos em azul, verde e vermelho. Depois, sim, as cortinas se abriam e começava a projeção.
Ping Pong:
Um filme: “Os 10 mandamentos”
Música: o tango “La Comparsita”, com Suzanito
Um ator: Rodolfo Maia
Uma atriz: Bibi Ferreira
Cantora: Emilinha Borba e Marlene
Dia especial: meu casamento
Time do coração: Vasco da Gama
Principal virtude: honestidade
Prato preferido: frango ao molho pardo
Signo: sagitário
Uma paixão: o cinema, sempre
O que tira você do sério: política
Religião: católica
Lugar de JF: Parque Halfeld
Viagem inesquecível: Camboriú
Um sonho: viver mais