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Fala Quem Sabe: Diário da Covid-19 na África

Andréa Pereira Foto: Márcio Brigatto
Andréa Pereira Foto: Márcio Brigatto
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Fala Quem Sabe: Diário da Covid-19 na África

Conheço uma África que poucos conhecem. Vivo a história recente de Angola, o país do petróleo e dos diamantes, dizimado por uma guerra civil de 27 anos, que agora experimenta uma democracia incipiente e, infelizmente, não está imune ao efeito devastador da pandemia do novo coronavírus. Mas, o surpreendente (e amo!) é que sempre aprendo com os angolanos e, nos últimos 90 dias em que estive trabalhando na saúde por lá – enquanto o vírus atacava o mundo -, me sentia mais segura e livre do que no Brasil. Acompanhava as informações sobre o avanço implacável da Covid-19 e, com sua chegada em Juiz de Fora, passei noites em claro, por semanas seguidas. Meu relógio estava quatro horas à frente e o novo coronavírus, até então, distante dali.

Minha jornada foi dividida entre duas realidades: o drama daqui e a normalidade de lá. E para matar a curiosidade sobre um pouco da minha rotina, conto… Da janela do hotel, onde atravessava madrugadas, trabalhando nas demandas do Brasil, eu via o mar, edifícios modernos com arquitetura incrível e ouvia o canto de uma comunidade ao lado, alheia à grande ameaça. Sob telhados de lona e placas de metal, uma melodia feliz meio ‘jazz’, ‘swing feel’, deliciosa. Naquela hora, eu pedia ao céu exuberante da África que o coronavírus não chegasse ali. Por favor! Se Europa, Ásia, Estados Unidos e, sim, o Brasil também, temiam o colapso dos seus sistemas de saúde… Rapidamente, eu mesma me confortava: “a Covid-19 vai ter medo da Malária!”.

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Mas o dia chegou.

A experiente Angola – que entende de combate – contra-atacou o inimigo! Decretou Estado de Emergência, fechou suas fronteiras, inclusive as internas, providenciou equipamentos de biossegurança, acelerou a ampliação da rede de saúde – às pressas, mas com eficiência – e eu? Fui despejada daquele hotel. Mas anjos me protegem (rsrs). Angola fechou tudo! Tática de guerra. Exército na rua, álcool em gel nas mãos, toque de recolher, bloqueio de circulação, feiras municipais desativadas e muita, muita informação sobre higiene primária. Um desafio colossal para a nação que é um mosaico com mais de 400 subgrupos de etnias. Eu não imagino o coronavírus entre os povos nômades do deserto, nas tribos Himbas e nem naquela comunidade urbana que se banha em balde na baía de Luanda.

Mas ele entrou e, ironicamente, na bagagem de angolanos resgatados no exterior. Esse vírus é oportunista e impiedoso. Passou pela fechadura da porta de hotéis, onde os repatriados trazidos da Europa foram trancados em quarentena institucional, e não poupou sequer o beijo de uma mãe em seu bebê. Os casos positivos – dados oficiais – ainda não chegam a 50, os óbitos são menos de 5, mas sabemos que o coronavírus age feito o Alien, à espera do próximo passageiro, e que nos obrigará a buscar saídas que ainda não vemos.

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A Embaixada Brasileira me trouxe para casa, mas um pedaço do meu coração ficou e no outro veio um dilema: o novo coronavírus pode alargar as fronteiras da fome. A minha esperança está nos guerreiros da minha banda – eles entenderão o recado! – e na matéria-prima que escuda a alma de todo jornalista: as palavras. Hoje – me permita Agostinho Neto -, cito Mário Quintana para acalentar o meu desejo: “Nada jamais continua. Tudo vai recomeçar”. E África sempre recomeça! É o berço da humanidade, é o colo, a mãe do mundo. A pangea nos uniu. Estamos juntos!

(Andréa Pereira é jornalista e leitora convidada)

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