Um passeio (?) pela tumultuada Santiago
Depois de um roteiro planejado e criado especialmente para as férias, fui surpreendido por uma manifestação muito além do que estava acostumado. No nosso segundo dia em Santiago, após concluir o ‘city tour’ escutei, no quarto do hotel, um panelaço. Imaginei que fosse meia dúzia de jovens fazendo algo momentâneo, mas a proporção era bem maior. Fecharam o metrô depois do aumento da tarifa do transporte público, porém, não eram apenas os 3,75% do reajuste. Isso ficou bastante claro, após o presidente Sebastián Piñera ter recuado da decisão de aumentar a tarifa, pois os distúrbios continuaram noite adentro.
Mesmo com o toque de recolher, foram registrados saques, incêndios de veículos, edifícios e estações do metrô, confrontos com os policiais e o Exército nas ruas de várias cidades do país. No hotel, a porta principal ficou fechada e a programação de conhecer os badalados bares Patio Bellavista, foi descartada.
Sábado, no café da manhã, o assunto era um só, em todas as mesas: “o país enfrenta uma das piores crises sociais em décadas”. Era visível como os funcionários estavam assustados. Apesar da situação, o passeio para as cidades costeiras Valparaíso e Vinã del Mar não foi cancelado, mas a guia logo avisou que o retorno seria mais cedo, para chegar antes da manifestação.
Fizemos todo o ‘tour’ e por lá parecia que estava tudo tranquilo. Ao retornar à Santiago, os protestos já estavam acontecendo. Algumas pessoas não conseguiram descer no hotel porque a rua estava interditada. A Santiago que conheci um dia antes – limpa, sem violência e sem pichações – foi totalmente transformada.
Algumas senhoras ficaram com medo e tivemos que esperar o guia levá-las até, pelo menos, à metade do caminho. Novamente, o toque de recolher foi decretado (valendo em cinco regiões, além do estado de emergência).
Na noite, só restou ficar na cobertura do prédio conversando com outros turistas, também frustrados por não conseguirem sair. Domingo recebemos a mensagem de que o passeio de segunda para a Concha y Toro foi cancelado, mas conseguimos conhecer o Vale Nevado. Durante o trajeto, alguns turistas relataram que foram roubados.
Segunda-feira, nada a fazer. Eu queria voltar ao Costanera Center, um dos shopping mais populares de Santiago, mas ele não abriu. Neste dia, almocei no Cueca Y Tango, por volta das 15h, mas a garçonete foi logo avisando que seríamos os últimos clientes.
Terça-feira, conhecemos o famoso restaurante Giratório e o retorno foi antes das 14h. Passando pela Praça Itália, tivemos que fechar as janelas do Uber pois o cheiro de gás era muito forte e o trânsito já estava complicando por causa dos protestos.
Enfim, na quarta-feira, conhecemos a vinícola. Neste dia, a cidade estava mais calma e os voos normalizados. Quinta-feira, dia de voltar ao Brasil. Ao chegar no aeroporto, a sensação era de que “estávamos salvos”.
Do Chile, trouxemos as mesmas malas, sem vinhos, sem a famosa pedra Lapilazul e demais ‘souvenir’. Ficam as lembranças da cidade que conheci no primeiro dia, a admiração pela cordialidade dos chilenos e aquela bela paisagem da Cordilheira.
Que as demandas sobre a desigualdade social ou o desafio de um modelo econômico em que o acesso à saúde e à educação é quase inteiramente privado, sejam sanadas.
(Jorge Júnior é jornalista e leitor convidado)