O sentido da vida para mim, e para todo o sempre, está fincado nos relacionamentos que estabeleço na rotina dos meus encontros: no trabalho, na família, na igreja, no futebol, no lazer. Essas rodas de convivência social para mim constituíram e constituem um processo contínuo de vida, a minha base de pertencimento ao mundo. Ao mundo das pessoas. O lado da rua. Voltando no tempo, quando moleque, aos domingos, ia para os campos de várzea da cidade. Saía cedinho de casa, com o bom, velho e inesquecível ki-chute para jogar futebol. O que era motivo de bronca dada pela minha mãe. Eu ficava muito tempo fora de casa. Sem comer, sem almoçar, nada. Sem perceber e sem ter nenhuma noção, por esse exercício, por essa busca de mim, eu entrava em contato com o mundo. Minha socialização estava se formando. A bola era o meu mundo. E por muito tempo foi. E foi por onde eu conquistei o afeto e o amor do meu pai. Jogávamos futebol juntos. Eu dava o passe para ele fazer o gol. O gol da nossa vida!
O jogo definitivamente mudou. As regras são outras. Hoje encontro bem menos e muito pouco com os amigos e amigas, do que eu desejo. Meu dia-a-dia é tomado por correria insana na disputa mecânica e irracional contra os ponteiros do relógio. Percebo e ouço dos amigos que a convivência com as outras pessoas está cada vez mais distante. É lugar comum eu escrever isso. O contato humano está sendo substituído pelos canais tecnológicos da comunicação virtual. Estamos cheios de amizades invisíveis. De presenças irreais. De desejos humanos que não são nossos e que são vendidos a nós, todos os dias e a todas as horas. O VAR dentro e fora do campo de futebol congelou as nossas emoções. Nossas expressões de afeto e de sentimentos estão encaixadas em máquinas de controle emocional para servir aos interesses voláteis do mercado financeiro. Tudo é muito medido. E ganha cada vez mais interesse e valor nos ambientes corporativos das grandes empresas a competência emocional dos trabalhadores. Profissionais autoconfiantes, calmos e empáticos provocam resultados mais alinhados aos objetivos das empresas. Computadores e robôs próprios da inteligência artificial estão revolucionando o mundo corporativo. Tarefas que exigem esforços bem sucedidos de competência cognitiva, como por exemplo, atenção no momento presente estão se associando às habilidades do funcionário demonstrar empatia, autoconsciência, calma e autoconfiança para o sucesso na trajetória funcional.
O mundo do trabalho também mudou. E com mudanças que trazem consequências seríssimas para a vida de todos nós, principalmente para as pessoas mais pobres, como são, a maioria da população brasileira. Aí contando com a população idosa, que tem suas conquistas ameaçadas. Num ambiente público hostil à manutenção dos direitos socialmente e historicamente conquistados. E se pensarmos, como será o amanhã, nem Deus saberá responder. Um futuro de muitas incertezas para a vida humana. Principalmente para a realização dos nossos encontros que é o sentido da vida para mim. Estamos à mesa mas sem prestar atenção nas pessoas, sem olhar nos olhos e sem escutá-las de verdade. Estamos na vida, como na peça teatral de Samuel Beckett, “Esperando Godot”, que nunca vem, nunca chega. Estamos sem presença de nós. Nesse contexto de esfriamento das relações humanas, qual seria ou qual é o papel social das pessoas idosas? Difícil de responder. Mas penso que a principal contribuição das pessoas idosas é a de falar. Transmitir sua fala para as novas gerações. Pela expressão da fala ter o seu lugar de testemunho da história. Daquele ou daquela que tem a memória viva e quente da vida, dos fatos e da cidade. Daí, penso que é necessário criar e abrir espaços sociais cada vez mais na cidade para a presença das pessoas idosas. E as próprias pessoas idosas devem ir à luta, na direção de seus interesses e necessidades. E não se deixarem ser passadas para trás. Só teremos uma cidade civilizada se elevarmos o nosso grau de atenção às pessoas idosas. Em todos os sentidos e em todas as direções.