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Carta a uma amiga!

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Prefiro te escrever esta carta. Reconheço que é um comportamento antigo, que não existe mais, mas desejo dar um tom mais pessoal e íntimo a esse contato, ao invés de te enviar mensagens eletrônicas, tão modernas e usuais, nesses tempos líquidos para a convivência humana, tão distantes de amor. Ainda sou de usar lápis para anotações subjetivas.

Acompanho o cuidado que dirige à sua mãe há muito tempo. Todo o seu amor e a sua dedicação, na entrega de corpo e alma a quem te deu a vida. Todo santo dia. Aliás, todos os dias e todas as noites também. Porque nem sempre as drogas, os medicamentos receitados e ingeridos dão o resultado esperado. Nem para ela – sua mãe – nem para você, que merece descansar, dormir, por inteiro, uma noite sequer, para ter um sono restaurador, que sei, há muito você não tem, a não ser levantar de madrugada e atendê-la; quer seja, por causa de devaneios existentes ou pesadelos em voz alta, ambos desconectados com o presente, mas muito ligados às vivências passadas do ambiente familiar na relação com o pai ou com um irmão ou irmã que não estão mais aqui.

A Doença de Alzheimer é uma doença que atinge toda a família, independente de consanguinidade. Ninguém escapa dela. Sua mãe morava sozinha, teve um surto psicótico e, a partir desse episódio, não tinha mais condições de saúde para gerir a sua vida. Veio morar com você e seu marido. Com a passagem do tempo, com a evolução da Doença de Alzheimer e com a involução rápida da pessoa doente, muda também a forma e a gestão dos cuidados que entregamos à pessoa idosa. Sei disso pelo que ouço dos relatos de várias pessoas que cuidam de seus familiares idosos e pela literatura especializada. Pelas conversas com profissionais da área da geriatria e da gerontologia.

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Você me disse no contato anterior que tem notado e que acompanha mudanças nítidas de comportamentos e atitudes de sua mãe. Por exemplo, a marcha mais lenta e cambaleante, as conversas completamente sem sentido, de não ter nada a ver com o assunto da mesa do café ou da hora do almoço ou do lanche da tarde. Nada fala com nada.

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Ou seja, a dependência dela para a realização de ações pequenas da vida diária aumentou muito, de uns meses para cá. Levantar da cama transformou-se num grande desafio diário. Saber onde guardar o prato, é um martírio: prato?, que prato? O estágio atual para o cuidado com sua mãe, pelo que a gente vem conversando, hoje, extrapola as suas possibilidades físicas, emocionais e espirituais, devido ao grande desgaste que você atingiu nessa lida, há muito tempo. Aí vem a pergunta que não quer calar: não está no momento de institucionalizar a sua mãe? Mas eu não quero abandoná-la!

Será a minha despedida dela! Eu te confesso, com pureza d’alma, eu sinto culpa. Eu ainda tenho dúvidas. O impasse está formado. E o conflito também. Os cuidados cada vez mais são demandados pela sua mãe, mas você, e eu acredito que muita gente, tem limites para cuidar e até para amar. Como não estressar com a falta de comando cognitivo para fazer suas necessidades fisiológicas no ambiente apropriado e não na cama de dormir?

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O que eu observo, caro leitor e leitora, é que às vezes, movido pela angústia, pela ansiedade e pela capacidade do limite humano para amar que a Doença de Alzheimer traz para os cuidadores de familiares idosos, é que os cuidadores, desejam, magicamente, por não suportar a situação, que é limitante mesmo. E não vejo nada de errado nisso, buscar a institucionalização do cuidado para o seu familiar idoso. Sem culpa. Sem remorso. Termino essa carta, prezada amiga, te desejando uma tomada de decisão. Na presença de todos os seus familiares, principalmente de seus irmãos e irmãs que estão presentes a essa situação do cuidado dispensado à sua mãe. Com toda liberdade no coração e na alma para renovar esse amor a quem tanto fez por você. Está na hora da reciprocidade. Perto ou distante, o certo é que o amor nunca morre em nós.

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