A vida é movimento. A vida continua. Como diria o sr. Ataíde, um dos primeiros idosos integrante do Pró-Idoso, “a gente sabe como começa, mas não sabe como termina”. Pura sabedoria. No fluxo de viver, com a passagem do tempo em nós, há momentos em que a gente muda de lugar e cumprimos outros papéis. Principalmente, quando a vida nos coloca, sem a gente esperar, frente a frente com os cuidados de nossos pais. Aquele pai que jogava bola com você (comigo) sábado à tarde na rua do quartel, hoje falta-lhe o ar necessário para correr em direção à bola. A mãe, que só de nos olhar insinuava que tínhamos de fazer alguma coisa dentro de casa hoje queixa-se intermitentemente de dores pelo corpo. Assim, nos tornamos (me tornei) cuidador de idosos.
Do filho, que a mãe fazia suco de laranja toda vez que a gripe me visitava e o pai que fazia um invento para a aula de ciências, fizeram-me seus cuidadores. O pai primeiro. A mãe depois. Cuidado que foi compartilhado com meu irmão e com outros familiares. Essa vivência pessoal chega para muitas famílias. Como compartilhou conosco o jornalista e escritor Marcos Araújo na sua Coluna 3miltoques. Excelente e cheia de humanidade. De domingo passado, com o título “Lições da fragilidade”. Muitas das vezes trocamos de lugar no exercício de cuidar. Passamos a cuidar de nossos pais. Eles que cuidaram a vida toda da gente e nos deram a vida. Nesse momento em que somos pegos com as “calças nas mãos”, nos viramos, e nos tornamos, de fato, cuidadores deles. Muda toda a nossa rotina: organizar os remédios, ir às consultas, compartilhar os custos de cuidadores com familiares (alguns), decodificar o que foi prescrito, participar e monitorar as atividades do dia a dia. É uma aprendizagem para o resto da nossa vida – entre afeto e exaustão, angústia e desespero, amor e limite. Pedimos socorro para a cidade. Para quem mais?
O cuidado com as pessoas idosas não se encerra dentro de casa. Não é exclusividade única dos familiares. Cuidar dos pais é um ato político, sim senhor: para reivindicar espaços acessíveis, exigir respeito às leis de mobilidade, cobrar políticas públicas de saúde e de convivência. Transformar o cuidado às pessoas idosas em atitudes políticas e o afeto em ação concreta. Eliminar de uma vez por todas a rotina de obstáculos: calçadas esburacadas, ônibus com degraus altos, falta de bancos nas ruas (na Rua São João ficou excelente!), filas longas e desconfortáveis nas agências bancárias, escassez de banheiros públicos.
A cidade que deveria acolher, acaba afastando. E quando o espaço urbano exclui, ele empurra o idoso para dentro de casa – e muitas vezes, para dentro de si mesmo. Caros leitores e leitoras, eu lhes faço um pedido, um convite: vamos fazer da nossa cidade um lugar onde se possa envelhecer com dignidade, de verdade; e não, com pena. Porque ninguém merece ficar invisível na fase do envelhecimento. A memória da cidade caminha com as pessoas idosas: suas histórias, suas lutas, seus saberes. E se hoje elas atravessam as ruas mais devagar, é porque passaram a vida inteira abrindo caminhos para que nós passássemos primeiro.
Acredito que o maior gesto de gratidão e de humanidade que possamos oferecer aos nossos velhos, aos nossos ancestrais seja efetivamente transformar o cuidado a eles e elas em compromisso coletivo. Em compromisso político, mesmo. Garantir uma vida digna, com solidariedade e amor. Políticas de cuidados, políticas de vida, políticas de futuro. Para o nosso próprio bem.