Ícone do site Tribuna de Minas

Envelhecer: um encontro inesperado?

coluna pitico foto
PUBLICIDADE

O grande poeta Vinicius de Moraes, carinhosamente chamado pelos seus amigos e admiradores de “poetinha”, em seu imortal “samba da bênção”, cantava que “a vida é a arte do encontro embora haja tanto desencontro pela vida”. Pura verdade. Penso que a nossa grande missão na vida, o nosso principal propósito deve ser buscar esse encontro com a gente mesmo. O que verdadeiramente é meu e o que me pertence? A grande tarefa durante toda a nossa vida é o desejo de apoderar-se da alma que anima os nossos dias. Conhecer e potencializar tudo aquilo que em nós faz o nosso coração pulsar. Estando a caminho do envelhecimento, tenho a sensação da oportunidade que a vida me oferece para viabilizar esse desejo principal na minha trajetória e na de todos nós – a expressão humana do que somos. Prefiro as curvas do que as retas. É minha intenção mergulhar nas águas profundas e não tão claras do mundo da velhice. Na convivência com algumas pessoas idosas, percebo o quanto que elas são ricas, complexas e indecifráveis a olho nu. E são espelhos para mim. É preciso ter uma escuta silenciosa e atenta de uma pessoa para outra pessoa. Com toda cultura negativa existente na sociedade em relação ao nosso envelhecimento, entendo que esse momento de vida (a velhice) pode favorecer o encontro dessa busca. Pode favorecer o encontro de si para si. Pode eliminar o que é estranho em nós, expulsar o forasteiro que habita a nossa cidade. O território do nosso espírito. Ou daquilo que possa ter um outro nome, mas que tem a ver com a nossa maneira genuína e singular de ser na vida. Envelhecer é lutar para não perder o domínio de si. Em condições normais de temperatura e pressão nesses tempos obscuros e de pouca luminosidade para o futuro. Precisamos reencantar e reencontrar o nosso mundo. O mundo de dentro. Aquilo que faz nossa música tocar. O envelhecimento, com certeza, nos dá essa oportunidade. Mas para trilhar esse caminho é preciso coragem e disciplina. É preciso entrar no labirinto que traçamos em nós, às vezes, sem saber, de fato, quem somos. Somos viajantes de um determinado tempo, de um limitado período e fazemos nossa história nesse percurso.

É lamentável, e muito frustrante reconhecer que com a indiferença pública, política e social que nossa educação tem com a passagem do tempo em nós, assim como acontece com as águas das chuvas, em excesso e intermitentes, que trazem prejuízos materiais e perdas de vidas, em nosso cotidiano urbano, ficamos também órfãos de nossa identidade e de nossa referência quando não eternizamos, quando não cultuamos nossos ancestrais, nossas pessoas idosas, todas aquelas pessoas que chegaram antes de nós.

Esse pequeno texto, essa crônica dessa semana tem sua motivação no livro que eu indico, sugiro, que é de Edgar Morin – Lições de um século de vida. Muito interessante. E muito próximo de nós. Com toda a sua envergadura política e latitude intelectual, esse pensador humanista fala direto ao nosso coração. E certamente nos ajuda a apressar esse encontro de que tanto buscamos – “que fique bem claro: não dou lições a ninguém. Tento extrair lições de uma experiência centenária e secular de vida, e desejo que elas sejam úteis a cada um, não só a quem queira refletir sobre a própria vida, mas também a quem queira encontrar a própria via.”

PUBLICIDADE

Envelhecer pode ser um encontro desejado. Um caminho coletivamente construído e cheio de sentido. De sentimentos que alargam e aprofundam a alma da gente. De gratuidades e acasos muito gostosos. Quem viver, verá!

PUBLICIDADE
Sair da versão mobile