Sob o véu angustiante da pandemia presente nesses dias de manhãs frias com sol claro de muita luz, certo é, também, que o calendário eleitoral da República pede passagem e avança no cronograma político para o cumprimento de suas metas. As eleições municipais estão aí. Acredito que, pelo “andar da carruagem”, elas serão adiadas para o final do ano. Será uma outra praga? Não. As eleições são muito importantes. O exercício da política, por mais que esteja desgastado e deturpado pelos maus políticos, é uma atividade nobre. No contato diário com as pessoas idosas que participam dos programas sociais públicos, observo que a percepção que essa parcela da população tem da classe política é muito negativa; carregada de uma descrença geral no que os políticos falam; não acreditam no que ouvem. Eu entendo que esse sentimento que leva ao afastamento da participação política dos idosos (alguns) nas eleições está muito ligado à frustração de que, quando precisaram ou precisam do apoio político, não tiveram ou não tem. A sensação que eu percebo quando converso de política nesse ambiente é a de que os idosos têm a leitura da desconfiança, de que são “passados para trás”, até porque já vivenciaram vários momentos de eleições em suas vidas e não foram atendidos.
O Brasil não tem tradição histórica e cultural na atenção pública a pessoas idosas. Com o coronavírus, as pessoas idosas ganharam mais visibilidade pública. É como se agora passassem a existir. E, com eles, vem à cena da cidade uma importante questão ética: quem tem direito à vida: os jovens porque terão futuro ou os idosos, porque têm a morte como certa? Na verdade, o conflito se estabelece entre a vida e a economia. Infelizmente, da forma que nós tratamos as pessoas idosas, com muitos preconceitos, anos e mais anos de descaso social e público com o nosso envelhecimento, não há dúvida de que estamos descendo a ladeira, estamos indo, todos nós, ao encontro do nosso fim, antes da hora. Estaremos morrendo ou sendo mortos com vida pela frente. Com a Covid, morrer passa a ser uma categoria exclusiva das pessoas mais velhas. E é muito natural, é muito normal que os idosos morram mesmo. É o que o médico gerontólogo e ex-diretor da OMS, Dr. Alexandre Kalache denomina de gerontocídio: a morte de alguém que vive muito. E essa violência contra as pessoas idosas não é recente, não veio com o “corona”. Desde que o mundo é mundo, a aceitação de ser velho é uma questão polêmica e de causar espécie em muitas culturas.
No universo populacional de nossa cidade que conta com mais de 90 mil pessoas, consideradas idosas, com a idade de 60 anos em diante, vem a questão: que cidade elas e eles querem para envelhecerem bem com qualidade de vida? Em se tratando de eleições municipais para prefeito/a e vereador/a, quais candidato/as efetivamente vão se importar com o envelhecimento do/as cidadão/as de nossa comunidade? Onde estão e quais são esse/as candidato/as? Ou será que vão passar, como de praxe, o período eleitoral, com propagandas políticas, sem dirigir-se à população que mais cresce no Brasil e nas cidades, que é a população idosa?
Se, no discurso de alguns/as candidato/as, as pessoas idosas não ganham palavras de atenção e reconhecimento, porque será que elas ainda não fizeram a revolução? Fiquem atento/as. A começar pelo laboratório de observação das seguintes questões: que a empolgação e a emoção do/a candidato/a permaneçam no exercício do cotidiano do Poder, quando empossado/a prefeito/a; que o/a candidato/a não perca de sua frente a defesa de suas ideias, enquanto estava candidato/a; que a rotina massacrante dos dias no Gabinete do Poder não destrua o brilho dos olhos da paixão pela militância social, quando pedia votos nas ruas. Com esse pequeno manual de monitoramento do comportamento do candidato/a e futuro prefeito/a, ouso em dizer, prezado leitor e leitora, que falta aos nossos políticos – à grande maioria deles – sentir o que lhes saem da boca, sentir o que ele/as falam. Aprendi com as próprias pessoas idosas, que o que passa pela cabeça, pelo intelecto não é mesma coisa daquilo que está na profundeza da alma de quem fala. E, principalmente, de quem ouve. Chega de falar da “boca pra fora!”