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A roça do Chico!

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O grande teólogo e pensador brasileiro Leonardo Boff com sua vastíssima produção intelectual no campo do pensamento teológico, ético, ecológico e espiritual, apresenta uma reflexão que me motivou a escrever essa crônica de hoje. É a de que, nas minhas palavras, quanto mais a gente avança no tempo, mais a infância cresce dentro de nós. É o que sinto frequentemente com proximidade de entrar oficialmente para a Terceira Idade e ter, no ano que vem, 60 anos de idade.

Os leitores mais atentos e as leitoras também, vocês que me prestigiam com a leitura de toda semana, percebem que constantemente, até com uma certa recorrência, eu falo da minha infância. Da minha cidade natal, Porciúncula, no Noroeste do Estado do Rio de Janeiro, com o Cristo da Igreja Matriz de Santo Antônio de braços abertos abençoando quem chega e quem sai da cidade. O Rio Carangola que serve de brinquedo para os colegas do meu tio Renato, e para ele também, que, no calor típico da região, fazem das câmaras de ar dos pneus de caminhões, boias gigantes e confortáveis para a descida do rio. Eu não participava ativamente dessas gostosas aventuras de adolescentes. Eu só acompanhava. Não sei nadar até hoje. Apresento o vô Doca, que da sua velha e mal cuidada venda, comercializava cachaça de vários sabores com diferentes raízes de ervas nativas. Minha vó Nilta, que sem ter outra opção na vida, a não ser o mundo doméstico, cuidava da família ao redor do fogão. Fogão à lenha.

Ao torrar o café, o fogão sempre tinha lenha, e ela me deixava assar um rim de porco na chapa. E mais lembranças são produzidas com o calor do fogo. Como a da gata que eu tinha, quando criança, que quando chorava, não saía de perto de mim. A casa dos meus avós era habitada de poesia. Tinha inocência, tinha amizade, tinha amor, tinha palavras de vida. Para demonstrar essa reflexão, no meu dia a dia, que eu aprendi com o Boff, semana passada, fui com a família na roça do Chico. Um lugar muito bonito. Repleto de silêncios. Não foi a primeira vez. Conhecia já o lugar. O que me deu novidade na alma foi poder ver, perto de mim, aves: gaviões, tucanos, anus e jacus. Além de pássaros comuns, aos montes; livres e saltitantes. Fora essas criaturas que voam.

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Fiz contato com outros moradores da casa. O Thor, por exemplo. Um cachorro grande, belo, cor de caramelo. Manso dentro de casa. Valente, quando acompanha o amigo que vai tocar os temidos búfalos no lugar que é deles. Conheci a Bibica. Jovem cachorra, que só sabe brincar. Comportamento típico dos mais novos – que inveja danada -, a gente devia envelhecer sem perder a “Bibica” que vive dentro de nós! Além do Thor e da cachorrinha, vi também três gatos, em fase de crescimento. E aprendi uma lição. Essa história de que gato e cachorro não se misturam. Ficou no passado. O que notei é o bom relacionamento travado entre eles. Inclusive dormiram na mesma cama. Sem estresse!

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Fui presenteado também com a existência de um belo fogão à lenha, bem no meio da cozinha. Uma pergunta que não quer calar: quem mais colocava lenha no fogão? Eu aqui! Aprendi nas minhas andanças literárias, de algum outro pensador, que o fogo nos aproxima de Deus. Talvez seja por isso que eu não deixava a lenha acabar. As pessoas que amamos não viram cinzas em nós. Ficam vivas. Permanecem quentes. Assim é a minha metáfora com o fogão à lenha. Desde o tempo dos meus avós, lá em Porciúncula. Estou à caminho. Na direção de que, meus olhos estão voltados para além do morro que cerca a roça do Chico. E que, na verdade, tudo está relacionado entre si: a casa, as pessoas, os bichos, os peixes, as aves, os passarinhos, os remansos, a mãe natureza, enfim! Somos intuições que se comunicam. Uma só moradia para todos. Busco em cada dia da existência viver as palavras do Profeta Joel: “Chegarão dias em que os anciãos terão sonhos, e os jovens, visões”. Desejo envelhecer com sonhos. Nem que para isso eu tenha que voltar mais vezes à roça do Chico.

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