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A dor de quem cuida!

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A escritora Clarice Lispector, questionada numa entrevista – a vida é boa? -, respondeu que sim: a vida é muito boa, viver que é difícil. Assim, nessa direção, posso tomar essa resposta da Clarice para dizer que em todas as fases da nossa vida temos dificuldades, mas também temos progressos e alegrias. Como pode ser e acontecer com o nosso envelhecimento. Apesar de nesse estágio da nossa vida, da velhice, tudo possa parecer mais difícil, e em muitos casos é mesmo, em muitos outros, não. Acredito que dá pra gente ser feliz também.

É sabido, e eu já trouxe esse dado, que o maior medo, o maior temor, o maior fantasma de todos nós que envelhecemos é exatamente esse, de que, com bem mais idade, a gente possa ficar dependente dos cuidados de alguém, ou de algum familiar, ou de um bom (e tão raro) vizinho ou até mesmo de um cuidador profissional, que será pago para fazer esse papel, essa função de nos auxiliar nas atividades de vida diária, hoje tão facilmente e mecanicamente realizadas, mas que com o correr dos dias, meses e anos, pode nos colocar em estado de menos autonomia e de mais dependência na rotina dos nossos dias, dos nossos hábitos, jeitos e trejeitos.

Foi o que aconteceu com a minha mãe. Minha e do meu irmão. No tratamento do câncer ela teve sua gestão de vida totalmente alterada. A nossa também. Ela encarou a doença com muita coragem e com muita fé, ficou essa lição, esse legado para nós, sabendo que todos nós partiremos um dia. Submeteu-se às indicações médicas, de enfermagem, de cuidados à sua saúde sem nenhuma resistência e birra. E nós, filhos e familiares e a Antônia ficamos no seu cuidado, durante quatro anos. Meu Deus do Céu, quanto desassossego dela e o nosso, que vivemos nesse período. Quanta angústia, quanta tristeza!

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Meu irmão, que morava com ela e cuidou mais de perto, alternava dias e noites, de mais e de menos estresses, por ter conseguido dormir horas, minutos ou mesmo de não ter conseguido pregar os olhos, numa vigília alucinada diante da insistência indesejada de “delirium” (diferentes de delírios) que trazia à sua visão, para a perplexidade de todos nós, cobras e mais cobras, cenas de brigas envolvendo familiares, água vazando do telhado e das paredes molhadas formando correntes imaginárias, toda essa realidade paralela, tudo isso, ameaçava e tirava minha mãe do lugar. Mas que lugar é esse, meu Deus? Estava instalado de fato, pra valer, a perda progressiva e muito rápida da sua qualidade de vida, que se desmanchava a olhos vistos com a recusa de medicação, de não querer mais comer ou de deixar o prato inalterado e o descontrole avançado das funções básicas do controle da urina e das fezes. O olhar dela encontrava-se fora do nosso alcance.

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Diante da vivência desse cuidado em casa, muita coisa aprendi da vida. O quanto que não temos preparo e nem habilidade emocional para cuidar dos outros, não somente aos cuidados dos nossos, de casa, pai e mãe, por exemplo, como também não temos políticas públicas de apoio às famílias para os cuidados a seus idosos dependentes e/ou que ficaram dependentes. Não temos políticas nem leis para os cuidados às pessoas idosas que delas precisam. Aprendi também o quanto é importante começar desde cedo o treinamento para o cuidado e para o interesse na vida do outro, com respeito e com afeto. Todos nós envelheceremos, estamos envelhecendo, e aí? Quem vai cuidar da gente?

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