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Acorda, Val; obrigado, Jéssica!

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Neste domingo tão importante para o Brasil, escolhi falar de cinema. Essa arte que usa imagem em movimento, som, luzes, cores e tudo mais que a tecnologia admite para nos arrebatar. Quem nunca chorou diante de uma cena tocante? Confesso, eu não consigo me conter. Isto é o cinema: emoção.

O que acho ser a maior dádiva dessa arte, assim como de todas as outras, é a possibilidade que ela nos concede de nos colocar no lugar do outro, de vestir a pele do outro, sentir suas dores, suas alegrias, seus sonhos, suas frustrações. Neste sentido, o cinema, além de nos comover, também serve para nos fazer refletir.

Por meio dele, nossa visão de mundo pode ganhar mais nuances, ampliando nossa capacidade crítica para questões importantes que se referem à nossa sociedade. É neste ponto que chego ao motivo de ter escolhido falar de cinema neste dia decisivo para nosso futuro.

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Em 2015, o cinema nacional nos presenteou com um dos filmes mais belos e contundentes de nossa filmografia: “Que horas ela volta”, da diretora Anna Muylaert. Sua história narra a vida de Val, interpretada por Regina Casé, uma mulher nordestina que veio para São Paulo à procura de emprego, deixando para trás a filha, Jéssica, ainda pequena. Na maior cidade do país, Val trabalha como empregada doméstica para uma família, cria Fabinho, filho do casal para quem trabalha, e mora na casa dos empregadores.

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“Que horas ela volta?” é um filme bonito, mas também doloroso. Na medida certa, ele traz à tona preconceitos, escancarando o abismo existente entre as classes sociais brasileiras. Val, que é quase uma segunda mãe para Fabinho, não deixa de ser explorada sob diversos aspectos.

Seus patrões não a enxergam como ser humano. Apesar de viver na casa deles há mais de dez anos, ela não merece a sua atenção. Eles não sabem nada da vida dela, que é vista de forma inferior, proibida de sentar-se à mesa junto com eles, sendo considerada uma cidadã de segunda classe.

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Mas a chegada de Jéssica, que veio para prestar vestibular para arquitetura, provoca abalos nessa estrutura. Os patrões se incomodam com a postura da moça, que tem consciência de que não é inferior a ninguém e se nega a ficar nessa posição. Jéssica rompe com os paradigmas enraizados na nossa cultura e no imaginário popular, mostrando para a mãe que ela é um ser humano tão válido quanto qualquer outro e que tem pleno direito de ocupar espaço no mundo.

Esse filme mostra um Brasil que, ao longo de muitas décadas, sempre pareceu aceitável, mas que começou a ser inaceitável quando filhos de empregadas, porteiros, motoristas e pedreiros começaram a estudar e a entender sobre o lugar que ocupam. Jéssica é a representação de cada um desses filhos que tomaram consciência da dominação e se posicionaram contra ela.

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Hoje, no país, existe uma grande parte da sociedade que prefere o Brasil antes da chegada de Jéssica, mas isso agora já é impossível, porque ninguém mais vai voltar para o seu antigo lugar e, hoje, é um dia para provar isso.

Voltando a falar da beleza do filme, cito a cena em que Val entra na piscina dos patrões, ainda quase vazia, que é uma das mais emocionantes realizadas pelo cinema brasileiro, porque é a síntese de uma revolução. É a hora de acordar, de nascer de novo. De tomar consciência de que somos mais e podemos mais. É assim que vejo essa cena: o momento de entendermos que não podemos mais aceitar que uma minoria privilegiada seja dona dos nossos corpos, dos nossos sonhos, dos nossos destinos. De compreendermos que o povo merece sim entrar na piscina e tomar o mesmo sorvete que o Fabinho!

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