Encontrei com um amigo da escola no outro dia, quando estava na fila de supermercado. Estávamos mantendo aquela distância recomendada na marcação do piso para esses tempos de pandemia. O estabelecimento estava cheio e, por mais que as pessoas tentassem seguir a regra, em algumas filas isso era quase impossível. Como não poderia deixar de acontecer, falamos sobre as eventualidades da vida, como é o costume entre amigos que passam anos distantes um do outro. Ele me contou sobre seu trabalho e que já estava se preparando para casar o seu filho mais velho. O tempo não fica estacionado como nós ali com aqueles carrinhos cheios de produtos para casa. Os fios brancos da cabeça dele já eram mais visíveis do que os meus.
O fato era que a fila estava grande demais, e, com o passar dos minutos, o repertório de novidades acabou. Assim, o diálogo partiu para a reflexão da nossa dimensão existencial nesses tempos que insistem em nos encher de aflições. Nada! Absolutamente nada, poderia ser mais propício para aquele momento em que eu fazia força para ouvir a voz dele abafada pela máscara. Então, ele lançou a questão: “Você acha que, quando as coisas melhorarem, as pessoas vão se esquecer dessa tragédia?”.
Uma lacuna de silêncio se fez entre nós. Ao notar que eu não consegui dar uma resposta imediata para sua pergunta, ele emendou: “Claro que não, pois as pessoas nunca esqueceram a Gripe Espanhola, nem a bomba atômica sobre o Japão. Elas nunca se esqueceram do holocausto, nem da escravidão, e não será diferente agora.”
Em menos de dez segundos ele conseguiu resumir na sua fala algumas das piores tragédias que se abateram sobre a humanidade. O papo na fila continuou até que chegou a vez de passar as minhas compras no caixa. Eu estava na frente dele. Nós nos despedimos e marcamos um novo bate-papo futuro, mas sem um intervalo de anos, como já tinha acontecido até aquele encontro.
Ao voltar para casa dirigindo com muito cuidado para não quebrar os ovos que coloquei no porta-malas, fiquei pensando na nossa conversa. Meu amigo tinha razão. Jamais vamos esquecer estes quase dois anos de pandemia, porque o coronavírus impôs para a humanidade um ponto de reflexão sobre a vida e a morte. Lembrei-me dos profissionais de saúde que tiveram de escolher, nos hospitais abarrotados de gente, aquele paciente que receberia o melhor cuidado. Aquele que, em um momento crucial, receberia o oxigênio em detrimento de outro. Isso essas pessoas jamais vão esquecer. Assim como aqueles que perderam um ente querido. No final das contas, todos nós perdemos alguém ou alguma coisa. Em tempos tão nebulentos, além da morte física, houve muitas mortes simbólicas e ninguém passou imune.
A Covid-19 acertou em cheio com um ponto de interrogação bem no meio da nossa cabeça, e passamos a desconfiar de tudo, e teve quem começasse a imaginar que o inimigo era sempre o outro. E, mesmo com tanta gente fragilizada em nosso país, muitas barbaridades não deixaram de ser cometidas. E talvez isso seja a nossa grande tragédia, até mais que o vírus, pois espero que a vacina possa nos livrar dele. Mas o que vai nos salvar da apatia, da intolerância, da nossa desumanidade? Eu ainda não tenho resposta para isso e acho que nem meu amigo teria. Quem sabe seja a novidade a ser contada em nosso próximo encontro!