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Minhas vantagens de ser bobo

coluna jmarcos
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“O mundo é dos espertos”. Não é assim que aprendemos desde pequenos? Ao longo de nossa formação para enfrentar a vida adulta, somos programados para sermos espertos.

Mas, o que é ser esperto? É o vale tudo? É passar por cima dos outros? É mudar de posição de acordo com as conveniências? É deixar de dar importância a quem está ao nosso lado? Se isso for ser esperto, eu prefiro ser bobo.

Ser bobo tem suas vantagens, e a grande Clarice Lispector já sabia disso. Quando era cronista do Jornal do Brasil, lá nos idos de 1970, listou diversas vantagens em ser bobo. Entre elas, a criadora de Macabéa elencou que o bobo é capaz de ficar sentado quase sem se mexer por duas horas e, ao ser perguntado por que não faz alguma coisa, responde: “Estou fazendo. Estou pensando.”

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Pois é, nos últimos dias, o que mais temos feito é pensar, já que a quarentena nos proporciona esse tempo. Todavia, há aqueles que pensam, sem pensar, que pensar é bobeira. Esquecem-se de que pensar é raciocinar, ponderar, comparar e lembrar, só para listar alguns sinônimos. Para esse tipo de pessoa, são perda de tempo os fatos e os dados científicos e estatísticos, que nos levam a pensar.

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Penso que existem diversos tipos de espertos e diversos tipos de bobos. Entre os espertos com os quais convivo, há aqueles, que também foram listados por Clarice Lispector, que estão sempre atentos às espertezas alheias. Sim, pois na ânsia de ser o esperto dos espertos, não descansam e estão sempre preparados para o bote. O mundo é deles, e ai de quem não entender isso!

Já os bobos da minha convivência têm prioridades diferentes. Eles também querem os louros e seu lugar ao sol, mas acreditam que existem formas mais dignas e empáticas de se colocarem no mundo. “Que bobos, né?”, devem pensar os espertos sobre eles. Mas, ao não enxergarem a vida como um jogo de vencedores e perdedores, os bobos têm a chance de ver coisas que os espertos não veem. E isso é libertador! Às vezes, ir contra a maré, não ser Maria que vai com as outras ou, como está na moda, não ser “gado”, é uma vantagem que espertos jamais entenderão.

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Mas há desvantagem em ser bobo, porque, muitas vezes, o bobo é movido pelo coração. Sendo assim, magoa-se mais facilmente. O bobo também tende a agir de boa fé. Isso não quer dizer que seja burro, mas espera sempre encontrar pelo seu caminho pessoas nas quais possa confiar. Quando se dá mal, é porque tinha as melhores das intenções e consegue deitar à noite e desfrutar dos sonos dos justos. Já o esperto não tem a mesma sorte.

Os bobos dificilmente encontrarão vagas no inferno, onde, com certeza, haverá muitos espertos, inclusive, dando rasteira no próprio diabo, que de bobo não tem nada e fica em estado de alerta para não ser apunhalado pelas costas.

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O tema desta coluna, em tempos de distanciamento social, veio-me à mente depois de ver que, mesmo com a crise, tem gente tentando se dar bem a todo custo em diversas situações e instâncias desta vida, que ora se rege sob o temor de um vírus. Para finalizar, vou me despedir com as palavras de Clarice: “O esperto vence com úlcera no estômago. O bobo nem nota que venceu”. Ou, para fechar com chave de ouro: “O bobo nunca parece ter tido vez. No entanto, muitas vezes o bobo é um Dostoiévski”.

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