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O rinoceronte

coluna jmarcos
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Uma pele que já não é mais a mesma. Dura e espessa que não lembra mais a de seres humanos. Uma falta de empatia com a dor do outro. A incompreensão do que seja o futuro. A racionalidade ultrajada e tida sem importância. A perda da humanidade. É nessa situação, a qual nos remete aos dias hoje, que caminham em bando sobre as ruas da cidade os personagens da peça “O rinoceronte”, apresentada dentro da programação da 18ª Campanha de Popularização do Teatro e Dança de Juiz de Fora, que segue até o próximo dia 2.

Montado pela companhia teatral carioca Contágio Coletivo, o espetáculo, obra do teatro do absurdo de Eugène Ionesco, é um choque de realidade ao lidar com a metáfora da transformação de seres humanos em rinocerontes. Ao andarem em grupos, esses paquidermes já não pensam mais por si, e assim a peça joga na cara toda a sua atualidade,  alertando-nos para a insistência de muitos em permanecer como gado e calado, recusando-se a enxergar o mal que nos assola. Assisti à montagem, no último sábado, e saí do teatro impactado pelas reflexões propostas pela peça. Algumas delas viraram assunto para este texto.

O espetáculo narra a história de uma cidade, que poderia ser em qualquer país, onde nada de extraordinário acontece. Mas, absurdamente, sua rotina é quebrada pelo aparecimento de um rinoceronte. Sem entenderem a origem do paquiderme, os moradores entram em conflito, enquanto o animal se prolifera de forma incontrolável e misteriosa. Aos poucos, começam a se dar conta de que são os próprios vizinhos, colegas e familiares que estão se transformando em rinocerontes, como uma epidemia que afeta um a um. Contaminados, eles se tornam feras, seja por violência, contágio, sedução ou simples desistência.

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O texto do dramaturgo é considerado por muitos como um ato de resistência ao fascismo. Entre as leituras possíveis, a obra, escrita em 1959, apresenta o terror atemporal de Ionesco ao que ele chamou de histeria coletiva. Algo que é atualíssimo, pois, existem dias em que nos sentimos à beira de uma convulsão grupal, dependendo dos absurdos estampados nas manchetes diárias.

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Ter em cartaz esse espetáculo, em pleno Brasil de 2020, é sim uma forma de resistir a um tipo de pensamento, que quer se fazer único e autoritário, moldando nossas consciências e vidas na tentativa de anular nossa riqueza cultural e silenciar as vozes de nossa diversidade. Em tempos em que a maior autoridade do país na área cultural tem que ser demitida do cargo por fazer discurso de apologia ao nazismo, mais peças como “O Rinoceronte” precisam ser montadas e assistidas pelo maior número de pessoas.

Se a vida imita a arte e a arte imita a vida, o teatro tem valor inestimável como ferramenta social. Sua presença, às vezes sutil, às vezes subversiva, em nossa sociedade, amplia nossa visão de mundo, levando-nos à compreensão do que somos, para assim compreendermos o outro. Numa época em que o mundo se transforma rapidamente, a obra de Ionesco mantém-se forte, impressionante, chamando o público a ficar de olhos abertos e ao mesmo tempo nos conforta, porque termina com uma mensagem de esperança. Ao salientar o processo de transformação do homem em animal, mostra-nos o quanto é fundamental não nos distanciarmos do que nos faz humanos!

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