A urgência no Brasil tem nome de fome. Desde o início da pandemia, em 2020, 19 milhões de brasileiros passaram a conviver, diariamente, com a fome. Não saber se terá o que comer no dia seguinte é realidade para muitos. E se antes as pessoas pediam ossos para dar aos cães, agora elas pedem para dar aos filhos. Não há exagero nessa afirmação, pois estão aí para comprovar fotos de fila na frente de açougue para distribuição de ossos com retalhos de carne ou de pessoas vasculhando caminhão de lixo por sobras de refeição. Só a urgência de uma barriga vazia é capaz de levar um pai ou uma mãe a desviar comida destinada para cachorro para dar a seus filhos.
Não é a primeira vez que uso o espaço da coluna para falar da fome. Já contei aqui da vez em que parei no semáforo da Avenida Brasil com a Ponte do Ladeira, e uma mulher aproximou-se do meu carro com uma caixinha de drops à venda. Ao conversar com ela, em poucos segundos, percebi que a mulher me olhava bem fundo nos olhos. Sem eu nada perguntar, ela me disse que estava desempregada e que vender balas na rua era a alternativa que tinha arrumado para espantar sua fome.
Resolvi falar da fome novamente, porque, no último sábado, foi o Dia Mundial da Alimentação. A data foi criada com o objetivo de estimular uma reflexão a respeito do cenário atual da alimentação mundial e também serve de apelo para que ações sejam realizadas para garantir a segurança alimentar em todo o mundo. Dados das Nações Unidas revelam que hoje quase 40% da humanidade, o equivalente a 3 bilhões de pessoas, não conseguem pagar por uma dieta saudável. Os impactos da Covid-19 agravam ainda mais esse quadro.
Fazer com que as pessoas tenham comida no prato é questão de política pública. Mas no Brasil onde o “super” é usado para qualificar ministros, aquele que cuida da economia fez declarações que apontam para a isenção de sua responsabilidade sobre o combate à fome. Em junho, como mostrou os jornais, em evento realizado pela Associação Brasileira de Supermercados, ele afirmou que a classe média desperdiça comida que poderia servir para “pessoas fragilizadas, mendigos, desamparados”. No seu discurso, é possível entender que ele desvia para a sociedade a responsabilidade por desenvolver políticas para conter o avanço da fome e da insegurança alimentar.
Não existe surpresa nesse tipo de fala do ministro, pois ela, junto com diversas outras, formam a filosofia que ora vigora na gestão do Brasil, que é marcada pelo descaso com os mais pobres. Somos um povo que é resultado da desigualdade social perpetrada por uma elite política e econômica que despreza aqueles que são debilitados.
Para terminar este texto, cito Papa Francisco que, em discurso enviado ao diretório argentino do Comitê Pan-Americano de Juízes pelos Direitos Sociais e a Doutrina Franciscana, disse: “Não existe democracia com a fome, não há desenvolvimento com pobreza, e ainda menos, justiça na desigualdade”.