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Viva, Carolina!

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Conheci Maria Carolina de Jesus tarde. Ela não fez parte dos escritores que compuseram a minha juventude. A autora de “Quarto de despejo” não me foi apresentada na escola, nem na graduação. Tive contato com seus escritos só depois de ingressar na pós-graduação. Uma grande lástima para mim e para o país. Digo assim porque é uma grande derrota para a educação e para a literatura brasileiras que um estudante no Brasil faça seu primeiro contato com a obra dela só depois de muito tempo de estudo. O longo caminho que percorri até descobrir Carolina é evidência do racismo estrutural, que invisibiliza o corpo e a subjetividade dos negros em nossa nação.

Se viva estivesse, nesta semana que passou, a escritora, que narrava suas mazelas em forma de diário, completaria 108 anos. Autora que teve sua publicação inaugural traduzida para 13 línguas, Carolina Maria de Jesus nasceu em Sacramento (MG), em 14 de março de 1914, e faleceu em São Paulo (SP), em 1977. A empreitada da catadora de papel na literatura rendeu a seus leitores, além dos diários, outros gêneros literários, como romance, poesia, teatro, provérbios e contos.

Independentemente das datas comemorativas, é sempre prazeroso e importante falar de Carolina, principalmente, na atual conjuntura da sociedade brasileira, em que vozes abafadas por décadas romperam com suas mordaças para que nunca mais sejam caladas. Ela foi uma mulher negra, uma artista emancipada e figura hoje como símbolo de resistência e de luta política e cultural para o país.

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“Quarto de despejo” é o livro com o qual a maioria dos leitores tem seu primeiro contato com Carolina e, comigo, não foi diferente. Nele, a moradora da Favela de Canindé, desprovida de qualquer artificialidade formal, relata sua luta pela sobrevivência em São Paulo, enfrentando junto com seus filhos os dissabores da fome. E é bom ressaltar que a fome sobre a qual Carolina falava não era apenas a de saciar sua vontade de comer. A voracidade dela era mais profunda. Não era só o estômago o que mais lhe doía.

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A queixa de Carolina era também a respeito de uma dor inexplicável sobre o vazio existencial. Com todas as suas contradições, ela queria mais do que comida no prato. “Parece que vim ao mundo predestinada a catar. Só não cato a felicidade”, registrou. É por isso que sua escrita transpõe a realidade vivida pela mulher negra e periférica e, cada dia mais, encontra aconchego nos corações de toda uma massa de brasileiros e estrangeiros.

Em seus livros há muitas expressões de impacto. Difícil ficar incólume a cada virada de página. A escritora nos revela uma visão de mundo que muito tem a dizer ao tempo atual. Quando penso no Brasil, que pouco tem feito para melhorar as condições gerais de seu povo, uma frase registrada em “Quarto de despejo” me vem à mente: “O Brasil precisa ser dirigido por uma pessoa que já passou fome. A fome também é professora”. É por essa e tantas outras que precisamos dizer: Viva, Carolina!

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