Na parede da minha memória, tem o seu leve beijo pousado no meu rosto antes de dormir. Tem o sono fingido para mais um carinho: o último do dia. Talvez o único, nem por isso menos carregado de amor. Na parede da minha memória, tem cheiro de material escolar novo no primeiro dia de aula. Tem o nó na garganta na despedida no portão da escola. Uma lágrima que, apesar de toda força para ser contida, insistia em inundar o canto do olho. Tem o medo de ficar longe de casa, apartado do ninho, combinado com o sentimento de descoberta e com suas palavras de incentivo. Na parede da minha memória, tem o copo de papel. A bola de soprar. O glacê de açúcar tingido de verde. O time de futebol em cima do bolo. A alegria de comemorar mais um ano de vida. Tem a sua empolgação enquanto enrolava os doces, enquanto temperava o molho para servir no cachorro-quente. Na parede da minha memória, tem o toca-discos e a música alta. Tem a sua dança engraçada que tirava divertidas risadas da gente e o balanço dos cachos dos seus cabelos.
Na parede da minha memória, tem o medo do palhaço na loja de brinquedo. O doze de outubro. O foguetório. Antes disso, tem o São Cosme e São Damião. A bala Maluquinha sabor hortelã. Tem o gosto doce de pudim guardado na geladeira. Na parede da minha memória, tem o medo do escuro. De assombração. De injeção. De Benzetacil, que doía, mas curava de um tudo. Tem a lembrança do aconchego do seu abraço e do aperto da sua mão na hora de atravessar a rua. Na parede da minha memória, tem a inocência de achar que eu seria criança para sempre. Que aqueles dias com vitamina de banana seriam eternos. Que você era a única pessoa mais legal do mundo. Na parede da minha memória, tem a sua juventude. Os vestidos que você gostava de usar. O orgulho que você tinha das suas pernas. Na parede da minha memória, tem a dor que sempre virava choro quando alguém me dizia que você iria ficar velha. O frio no estômago de pensar que chegaria a época em que eu teria que sair da sua casa para morar com minha própria família.
Na parede da minha memória, tem as cestinhas que você fazia com papel crepom para guardar os ovos de páscoa. A hora de enfeitar a árvore de natal. O dia em que ganhei aquele robô de controle remoto que foi o meu pedido do ano inteiro. Na parede da minha memória, tem todos os pratos para as ceias de Réveillon, em especial a farofa molhadinha. Aquela batidinha de pêssego que só ficava boa quando você fazia. Na parede da minha memória, tem o dia em que você foi conferir o resultado do vestibular junto comigo. O seu olhar na igreja quando entrou comigo no dia do meu casamento. Na parede da minha memória, tem as lembranças de tudo que já vivemos e lugar reservado para aquelas que ainda vamos viver. Na parede da minha memória, tem um canto especial para você. Nosso passado, mãe, está refletido no espelho do nosso presente, que está pendurado na parede da minha memória.