Sempre gostei de estudar História e ainda gosto. Quando era adolescente, no Ensino Médio, ficava intrigado com o período em que a Igreja Católica usava o Tribunal da Santa Inquisição como forma de repressão, na tentativa de limitar o livre pensamento e a circulação de ideias. Chamava-me muito a atenção a lista de livros proibidos, conhecida como Index Librorum Prohibitorum. Até colegas que não gostavam daquela disciplina ficavam atentos nessa parte da explicação. Era algo que mexia com o nosso imaginário juvenil, aguçado pela curiosidade sobre quais conteúdos caberiam nas páginas censuradas.
Depois daquela primeira impressão, vinha, com certeza, a consciência do que significava, na realidade, tudo aquilo. Principalmente, depois que era relatado sobre as punições impostas a quem era flagrado com obras proibidas. Os desobedientes podiam ir para a prisão e até serem condenados à morte. Naquela época, eu pensava: ainda bem que o mundo não é mais assim e somos mais evoluídos. Mas como estava enganado.
Depois desse período, muitos outros episódios colocaram os livros na lista de inimigos da sociedade. Na Alemanha do século XX, Joseph Goebbels usou a queima de títulos para livrar seu país de qualquer conhecimento e informação que fossem considerados inadequados. Aqui no Brasil, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), durante o Estado Novo, serviu de censura, para filtrar as manifestações culturais tidas como impróprias, do ponto de vista político e moral, tendo o livro também na mira. O que se repetiu na época da ditadura militar anos mais tarde.
É certo que os livros nunca gozaram da apreciação de quem prefere fechar os olhos para o mundo e todas as suas possibilidades. A forma como a literatura amplia nossa forma de enxergar a vida é o motivo que causa medo nos repressores. Escolhi tocar nesse assunto, porque, ao longo do tempo de existência desta coluna, ela saiu em defesa dos livros em muitas ocasiões. Agora, quando acaba de completar cinco anos, não poderia ser diferente.
Aproveito para abordar o tema que esteve na mídia há algumas semanas: a campanha difamatória arregimentada contra o romance “O avesso da pele”, de Jeferson Tenório, com o propósito de banir a obra das salas de aula. Negando toda a relevância do texto e pinçando trechos isolados, tentaram impedir que estudantes conhecessem o conteúdo de suas páginas sob alegação de temática imprópria e de vocabulário de baixo nível.
Todavia, o que mais deveria ter incomodado os censores de Jeferson Tenório é a denúncia que seu livro faz do racismo, da violência policial e da desvalorização dos profissionais da educação no Brasil. Mas, sobre isso, nenhuma palavra foi dita. Para os críticos da obra, é muito mais grave a descrição de uma cena de sexo do que a realidade de violência e de injustiça que suas páginas trazem à tona.
Depois de um período de polêmica e de debate público sobre a liberdade de expressão e censura nas escolas, nesta semana, o romance “O Avesso da Pele” foi reintegrado ao currículo, a fim de ser conhecido pelos estudantes. Vale ainda lembrar que a controvérsia, como um tiro que saiu pela culatra, instigou o aumento das vendas da obra.
Se vivemos num país de tão poucos com acesso à leitura, é de se assombrar que livros ainda sejam censurados. A preocupação maior deveria ser com a formação de leitores. O que aconteceu, e torço para que não se repita com outros títulos, violou princípios da educação e da democracia, além de deixar mais pobre o debate cultural e solapar a capacidade dos estudantes de desenvolverem pensamento crítico e reflexivo. Quem tem medo da literatura, também tem medo de experienciar o que há de mais humano em nós.