Não fosse o fato desta coluna comemorar dois anos de existência nesta semana, este seria um dia como os outros. Acordei como em todas as outras manhãs do ano e preparei meu café. Muitos irão me criticar, mas prefiro café mais fraco. Não aquele, como dizem, de “água de batata”, apenas com um sabor menos encorpado, digamos assim. Também fiz uma torrada com pão de forma na frigideira, como vi num filme outro dia e aprovei. Há um pouco de sol lá fora, e a temperatura está agradável. No vaso de trapoeraba roxa que tenho na varanda, o botão de uma flor começa a brotar.
Depois de estar com o estômago forrado, abri meu notebook para me informar das novidades, ou melhor, dos sustos, porque, neste Brasil, não há dias sem alarmes, a cada click, nossa esperança precisa de mais força para não se esmorecer de vez. Mas é dia de aniversário e quero tentar falar de coisas boas. No ano passado, para marcar essa data, registrei o número de textos e de toques até então realizados aqui, neste espaço, todas as quintas-feiras. Agora, com dois anos, vou repetir a informação: o texto que ora se apresenta é o de número 94 e, ao longo desse tempo, já se somam 330.514 toques.
A cada coluna, meu objetivo é escrever três mil toques, para justificar o nome dessa seção, mas, na maioria das vezes, ultrapasso esse limite. Nossa vida, nosso país e nossos dias têm sido complexos demais para caberem em insuficientes três milhares de toques impostos pela página impressa, mas a gente tenta.
Se é dia de comemoração, gostaria de dividir os presentes com o Brasil. Teria satisfação em compartilhar com todos os brasileiros um país sem corrupção, sem chacinas, sem tráfico de drogas. Um Brasil com oportunidade para todos e todas. Que as crianças e adolescentes tivessem uma escola pública de qualidade, que todas as famílias tivessem um teto para morar e capacidade de comprar seu almoço de cada dia. Que não tivesse mais de 14 milhões de desempregados. Gostaria que nossa fome fosse apenas de mais saber, mais ciência e mais cultura.
Seria bom compartilhar asfalto em todas as ruas, redes de água e esgoto, pontes construídas, vagas suficientes nos hospitais, vacinas ao alcance de todos e que não houvesse uma política voltada para a morte. Que não fosse necessário noticiar que 1.954 vidas foram perdidas por uma única doença em 24 horas. Que felicidade seria partilhar um Brasil sem poluição, com rios limpos, com atitudes de conservação de nosso bioma e sem chances de acontecimento de um desastre como o ocorrido em Brumadinho.
O Brasil que gostaríamos de presente seria aquele que não zomba da morte, que não riscou de seu dicionário a palavra empatia, que não é negacionista, que não nos causa constrangimento no exterior. Nesta coluna de aniversário, o que posso desejar para mim, a quem me dá a honra de me ler e a todos brasileiros e brasileiras é uma vida digna, plena, sem que tenhamos vergonha de olhar nos olhos uns dos outros por ter nascido nestas terras. Que possamos voltar a ter orgulho e alegria de nossas belezas naturais, nossa cultura, nossa diversidade, nossa gente!