![‘A substância’, o culto à imagem e a felicidade fabricada 1 demi moore Divulgacao](https://tribunademinas.com.br/wp-content/uploads/2025/02/demi-moore_Divulgacao-700x571.jpeg)
Quem tem coragem de envelhecer em um mundo que equipara rugas à decadência? Essa foi a questão que logo me veio à mente depois que assisti, nesta semana, ao filme “A substância”. A protagonista Elisabeth Sparkle é vivida por Demi Moore, que está em forma e muito bonita, e nada fica devendo em beleza à personagem Molly, de “Ghost”, que ela mesma estrelou nos anos de 1990. Mas como o filme tem que acontecer, a personagem principal não está satisfeita com o que vê no espelho. E, se à primeira vista, o longa-metragem se parece com um thriller de terror grotesco, nas entrelinhas, ele discute o culto à imagem perfeita e a obrigação de ser feliz o tempo todo, que se tornaram imperativos de nossa sociedade.
“A substância” é a história de uma atriz que já foi famosa e bem-sucedida. Aos 50 anos, ela é apresentadora de um programa de ginástica e recebe a notícia de que será trocada por uma atriz mais jovem. Com isso, a mulher entra em crise. Mas tudo muda quando ela descobre a substância, uma espécie de droga que promete torná-la “a melhor versão de si mesma”, mais jovem e mais bonita. Não vou ser inconveniente dando mais spoilers, pois sei que tem muita gente que ainda espera para ver o filme até a chegada do Oscar.
O que quero, na verdade, é refletir aqui sobre o tema que o longa tem como pano de fundo. Esta ferida contemporânea que é o limite, cada vez mais borrado, entre a vaidade e a autodestruição, entre o sonho e o pesadelo, entre o desejo e o desespero. Em algum momento de nossa história em sociedade, colocaram na nossa cabeça que a juventude seria o passaporte definitivo para a felicidade. Se você aparenta menos idade, é mais desejável. Se tem a pele firme, é mais respeitável. Se se encaixa nos padrões estéticos do momento, então encontrou o atalho para o sucesso.
A protagonista – como tantas mulheres ao longo da história e também os homens, mais do que nunca – embarca em um experimento que promete a juventude eterna. O que poderia dar errado? A resposta é tudo. O horror do filme não reside apenas na sua estética perturbadora, mas na constatação de que, fora das telas, a busca insana pelo corpo perfeito e pela face imutável já acontece. Cirurgias extremas, substâncias questionáveis, implantes, lipoaspirações e harmonizações faciais fazem crescer a lista de rituais de beleza, que beira o surreal.
A trama ainda chama atenção para outra realidade, ou melhor, para uma realidade fabricada. Redes sociais transbordam sorrisos plastificados, vidas editadas, corações vazios embalados por filtros que prometem uma existência melhor. É o velho espetáculo do sucesso pronto para consumo, em que a aparência se torna mais valiosa do que qualquer essência. Ao assistir ao filme, fica impossível não questionar por que quantas pessoas ainda se sentirão impelidas a vender sua identidade em troca de um ideal inatingível? Até quando o culto à juventude esmagará a possibilidade de um envelhecimento digno e natural? E, principalmente, o que estamos dispostos a perder — nossa autenticidade, nossa saúde, nossa alma — em nome de uma promessa tão frágil quanto a superfície de uma pele esticada artificialmente?