Preparava-me para transferir as compras do carrinho de supermercado para o porta-malas do meu veículo quando um menino que aparentava ter lá uns 10 anos aproximou-se e disse: “- Moço, me dá qualquer coisa.” Eu perguntei: “- O que você quer?” E o menino: “- Qualquer coisa de comer.” Ele não me encarava, tinha um olhar vago. Imagino que deve ser o olhar da fome, de quem tem o estômago vazio.
Reparei que, a certa distância, uma mulher com outra criança no colo observava o que se passava comigo e com o garoto. Era sua mãe e seu irmão. Ao encarar a mulher, ela me olhou de volta sem conseguir esconder a preocupação. A preocupação de não ter a certeza de que terá comida para dar aos seus filhos agora, amanhã ou depois de amanhã. Nesta hora, pensei: “quanta tristeza a fome é capaz de esculpir num olhar!”
Entreguei ao menino o que queria, e ele correu ao encontro de sua família. O pedido dele, “qualquer coisa de comer”, ficou no meu pensamento, que logo foi atravessado pela frase que ganhou o noticiário e as redes sociais nos últimos dias: “é melhor passar fome do que não ter um fuzil.” Essa afirmação aceita e aplaudida por muitos escancara a desumanidade que vigora em parte de nossa sociedade. Para quem não conhece a fome, deve ser fácil dizer que ter armas é melhor que comida.
A imagem de meninos, suas mães e seus irmãos no estacionamento de supermercados, pedindo alimento, está cada vez mais comum, como aquelas que, infelizmente, já estamos acostumados a ver nos semáforos e nas esquinas da cidade. Reflexo do desemprego que deixa sem ter o que colocar na mesa cerca de 15 milhões de pessoas. Reflexo da inflação que, segundo aponta o IBGE, mais que dobrou nos últimos 60 dias, empurrando para a pobreza extrema milhares de brasileiros. E não é preciso ser ministro da economia para saber. Basta ir ao supermercado, abastecer o carro ou comprar gás de cozinha.
Por falar em ministro, dias atrás, houve zombaria contra os pobres que reclamam da alta do preço da luz. Um dos mais importantes do ministeriado disse, sem um pingo de constrangimento, que não adianta nada “ficar sentado chorando” e acrescentou: “qual o problema de a luz ficar mais cara?”. Eu que pergunto qual seria a melhor resposta para essa questão.
Mas, enquanto reflito sobre a tristeza do olhar de quem só tem ar dentro do estômago, quem deveria zelar pela nação prefere o escárnio e exibe para os outros países o quanto estamos pobres, não apenas financeiramente, mas de humanidade. Porque, sem humanidade, acho impossível a construção de políticas de combate à pobreza.
Há quem prefira o fuzil e, mesmo sem ter perguntado, tenho certeza de que aquela família no estacionamento do supermercado prefere o feijão. Eu também prefiro! Sempre é bom lembrar que feijão combate a anemia, ajuda a perder peso, reduz o colesterol, auxilia contra diabetes e, o melhor de tudo, faz bem ao coração!