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Alzheimer afetivo, uma epidemia

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Como sou temerosa do tempo e de seu ligeiro compasso, ao longo dos anos desenvolvi uma teoria para explicar como procuramos nos agarrar a lembranças estimadas: o Alzeheimer afetivo. É uma mazela que afeta a quase todos os seres humanos com boas memórias, mas, ao contrário do mal real – esse sim, penoso para o paciente e todos os envolvidos – provoca o esquecimento de uma realidade que não (re)conhecemos, em troca de uma lembrança mais querida, que se impõe como verdade em nosso cotidiano. É quase um tipo de guerrilha mental; uma maneira de impedir que os tique-taques alucinados carreguem pedaços de história que nos são caros; é subverter o relógio. É isso, o tal Alzheimer afetivo.

Nem todos reconhecem os sintomas, que são altamente variáveis, e o diagnóstico precoce ajuda a prevenir que, de fato, se confunda presente e passado em graus perigosos. Com isso, os acometidos estão livres para que vivam apenas um saudosismo inofensivo – embora às vezes um tanto doloroso.

Em Juiz de Fora, há uma epidemia crônica daqueles que jamais pronunciaram, em suas vidas, “Avenida Itamar Franco”, e seguem afirmando uma Independência, proclamada em outrora. Pacientes em estágio avançado ainda pedem aos motoristas que parem “no ponto do Rei do Arroz”, ali na Avenida dos Andradas, ou um pouco mais à frente, na Reitoria, situada na Benjamin Constant, pertinho do Mezcla.

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Há casos graves em que alucinações são comuns e pessoas chegam, em uma passada pelo Centro, a escutar a cantoria da Dona Maria do Calçadão e os acordes da viola do Seu Antônio Macário. Médicos alertam que hipocondríacos já temem a retirada do relógio do Parque Halfeld, eliminando-se assim, de vez, o “Pirulito” como referência geográfica local, de fato um risco iminente.

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Especialistas de Harvard garantem que, em algumas gerações, a cidade poderá ter erradicado completamente os casos de “encontros em frente ao Cine Excelsior”, “a pipoca da porta do Cine Veneza” e “a galeria do Raffa’s”. Uma projeção dos quadros atuais aponta que um significativo número de enfermos continuará se dirigindo à Pirralho para a compra de aviamentos. A prevenção para a moléstia requer a aquisição de um dispositivo geolocalizador, um tipo de GPS,  movido pelas coordenadas que realmente importam: as do coração – o metafórico, não o órgão.

Acho fundamental que todos saibam como proceder quando forem acometidos pelo Alzheimer afetivo, que vem se alastrando como piolho em pré-escola. Ainda não fui testada, mas tenho certeza de que estou livre desse mal, grazadeus, “quem vive de passado é museu”, ” a fila anda”, e tudo mais. Ando pela cidade e vejo-a como é: placas servem para que nos orientemos com conforto e facilidade pelo espaço urbano, sem devaneios sentimentalóides que possam nos fazer perder o rumo.

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Outro dia mesmo, inclusive, pensava nisso, nesta minha imunidade, enquanto passeava a pé pelo primeiro prédio em que morei quando vim para Juiz de Fora para virar jornalista, mais de dez anos atrás. Fica ali na Independência, em cima do Fazendinha, facinho de achar.

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