Gueminho Bernardes garante que “O fim do mundo é hoje”

Por Marisa Loures

 

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Gueminho Bernardes lança o livro “O fim do mundo é hoje”, dia 29 de agosto, às 19h, no Cine-Theatro Central – Foto Divulgação

Gueminho Bernardes construiu uma carreira de 40 anos de teatro. Por onde passa com seus espetáculos, seja com os companheiros do TQ (Teatro de Quintal), seja em projeto solo, é sempre casa lotada. Ele gosta mesmo é de fazer humor. Mas ele faz questão de enfatizar que não gosta daquele humor pastelão, do riso pelo riso. Sua praia é provocar certo incômodo. Aí, doa a quem doer, apresenta para a plateia suas mais profundas reflexões, como ocorre no espetáculo “O fim do mundo é hoje”. A montagem ganhou os palcos há um ano e meio e acabou de ir para as páginas de um livro, de mesmo nome, cujo lançamento está marcado para dia 29 de agosto, às 19h, no Cine-Theatro Central.

Publicado pela Giostri, “O fim do mundo é hoje”(120 páginas), segunda obra do humorista, também autor de “Como fracassar na vida e ser infeliz no amor”, tem a proposta de fazer os leitores pensarem nos derradeiros momentos da humanidade. Muitos têm medo de falar sobre a morte. Preferem não lembrar que ela, inevitavelmente, está nos rondando. Ao que Gueminho responde que, a melhor maneira de lidar com ela, é fazendo humor. Por isso, prepare-se para dar risadas com a nova lista de dez mandamentos criados por ele.

“Sou muito influenciado por certa escola de comediantes americanos que falam de assuntos importantes, profundos e, às vezes, polêmicos. Gosto de trabalhar nessa linha. Não gosto de, simplesmente, fazer piada, fazer o tipo de humor de texto pastelão. Gosto de falar de coisas importantes, porque acho que o papel social do comediante é provocar, é criar certo desconforto até. E desconforto não quer dizer que é uma coisa desagradável, triste. É desconforto no sentido de que você faz a pessoa se deslocar do seu lugar de conforto intelectual. A pessoa que tem ideia sobre algumas coisas vai começar a se colocar em posição de questionamento, de reflexão”, afirma o comediante que, aos 61 anos, assumiu o Departamento de Produção de Conteúdo da produtora de espetáculos Non Stop. Sua tarefa é escrever, para youtubers de sucesso, textos para o teatro. Nossa conversa vai da intolerância demonstrada nas redes sociais até o Fim do Mundo.

Marisa Loures – Por que fazer humor sobre o fim do mundo?

Gueminho Bernardes – Esse é um pouco meu estilo. Sou muito influenciado por certa escola de comediantes americanos que falam de assuntos importantes, profundos e, às vezes, polêmicos. Gosto de trabalhar nessa linha. Não gosto de, simplesmente, fazer piada, fazer o tipo de humor de texto pastelão. Gosto de falar de coisas importantes, porque acho que o papel social do comediante é provocar, é criar certo desconforto até. E desconforto não quer dizer que é uma coisa desagradável, triste. É desconforto no sentido de que você faz a pessoa se deslocar do seu lugar de conforto intelectual. A pessoa que tem ideia sobre algumas coisas vai começar a se colocar em posição de questionamento, de reflexão. Acho que mais importante é você provocar a possibilidade da reflexão.

– A introdução do seu livro traz uma frase que achei curiosa: “Não sou especialista em nada. Sou curioso sobre tudo e gosto de tentar criar minhas próprias teorias.” Ao dizer isso, você já está antecipando uma resposta a possíveis críticas?

Estou me colocando humildemente numa posição de alguém que pensa e que reflete, e acho que esta também deve ser a posição de quem lê. Tenho irmãos que são físicos, tenho irmãos biólogos, sempre vivi muito com eles, e a gente sempre conversou sobre ciência. Esse foi um tipo de ambiente que sempre aconteceu na minha casa, na minha família. Eu me interesso muito por física, astronomia, teoria da evolução e tenho formação religiosa profunda. Fui seminarista, estudei a bíblia e o cristianismo profundamente, a história da igreja. Eu me interesso por quase tudo, por coisas importantes. Agora, eu me coloco nesse livro no papel de vulgarizador, porque acho que o que acontece com a ciência é que ela fica, na maioria das vezes, restrita a um ambiente acadêmico, às pessoas de grande pose intelectual. E a ralé não tem acesso isso, porque a gente não fez academia, não fez o terceiro grau completo. Sinto que um dos papéis importante que faço nesse trabalho é de pegar essas teorias complexas, como a da origem do universo, da evolução das espécies, um pouco de antropologia sobre a origem da espécie humana, e puxar para um ambiente onde todo mundo pode compartilhar. Transformo isso em piada, em texto bem-humorado, porque isso permite que qualquer um possa nadar sobre o assunto. É um texto que tem camadas. Ele tem uma camada superficial e, se você tem pouco fôlego, pode ficar nadando ali em cima. Se você tem fôlego para ir fundo, tem camada também para isso.

– É um texto que traz duras críticas ao cristianismo. Você já sofreu reações negativas dos cristãos ou tem medo de sofrer essas reações?

O comediante não pode ter medo, não pode ter pudor. Ele tem que ter responsabilidade. Não faço nenhum tipo de argumentação ofensiva, de deboche. Faço uma reflexão, questiono algumas coisas. Basicamente, entendo assim: Tudo bem, você quer acreditar em Deus, quer ter uma religião, mas você tem que incorporar toda a atualidade do conhecimento à sua relação com a religião. Você não pode ter uma relação com a religião como alguns daqueles pastores que viviam no deserto há quatro mil anos. A humanidade evoluiu muito. Acho que a fé não pode negligenciar a inteligência. Faço com responsabilidade e profundidade uma crítica a algumas questões que passam pela religião. Por exemplo, metade dos adultos americanos ainda acredita que Deus criou Adão e Eva, que o mundo foi criado há seis mil anos. Eles não aceitam a teoria de que existem fósseis. Então, não dá para a gente lidar com esse tipo de informação. As pessoas falam assim: “A ciência não prova nada.” Tudo bem. Mas estamos conversando num telefone celular que funciona, andamos num carro que funciona, as pessoas andam num avião que não cai, ou seja, a ciência, realmente, faz coisas que funcionam. Então não podemos ignorar que a ciência tem o contato com a verdade. Agora, existem pessoas que não têm tolerância para tratar sobre esses assuntos. Não se pode falar sobre Deus, não se pode falar sobre esses assuntos. Aí, essas pessoas, quando dão o azar de ir ao meu show, têm dificuldades de suportar. É muito raro porque, em geral, quem vai ao teatro, vai a um show de humor, são pessoas que já têm certa disponibilidade para lidar com isso. De vez em quando, um ou outro sai do espetáculo. Eu preferia que eles ficassem e conversassem comigo, mas entendo que eles não dão conta disso.

– Você falou em intolerância. Na verdade, as pessoas não aceitam que o outro pense diferente sobre qualquer assunto…

Acho que isso está piorando. Tenho 61 anos e venho de uma era em que a gente tinha muito mais tolerância e liberdade. Está crescendo um ambiente de polarização, e esse, inclusive, é um dos temas de que eu trato. Como a gente explica a banalização da violência, a torcida de futebol, a torcida de partido? Como está difícil a gente conseguir conversar sobre qualquer assunto. E acho que tem uma responsabilidade também das redes sociais, de como elas tiraram a humanidade do armário. Vivíamos dentro do armário, porque não tínhamos noção de quem nós éramos. Aí elas nos tiraram do armário, e o que a gente viu não gostou muito. Estamos num momento muito difícil de relacionamento social, e isso é incrível, porque a gente nunca teve tanta possibilidade de relacionamento social, e, ao mesmo tempo, nunca foi tão complicado, tão doloroso. O Humberto Eco tem uma frase muito contundente: “As redes sociais deram voz aos idiotas, e os idiotas sentiram que eles têm o poder de manifestar sua opinião”. E eles falam sobre tudo sem o menor compromisso com a profundidade, e isso também está afetando seu trabalho como jornalista, porque, hoje, qualquer um se acha no direito de ser dono de uma informação, sem procurar saber se aquilo tem sentido, tem fonte, se aquilo é verdade. O tempo todo você fica bombardeado por notícias que são falsas, ou que são mal investigadas.

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Gueminho Bernardes defende um humor que provoca reflexão – Foto de Marina Costa

– É fácil fazer as pessoas refletiram através do riso?

Não vou dizer que é fácil, mas é o que eu gosto de fazer. Não abro mão do que gosto de fazer para fazer algo fácil, porque as pessoas têm preguiça de pensar. Isso é uma verdade, porque pensar cansa, porque pensar é uma atividade humana que gasta mais energia. O cérebro consome 25 % da energia que o corpo produz. Isso, inclusive, é uma dica que dou para todo mundo, porque é um ótimo emagrecedor. Hoje a gente está vivendo um momento de muita superficialidade. Acho que isso também veio com o advento das redes sociais e dessa coisa toda. Estamos vivendo num momento em que as pessoas estão transformando o conhecimento numa coisa descartável, uma espécie de fast-food. Fiquei sabendo de uma coisa agora e tenho que gastá-la agora. Nunca teve tanta informação disponível, mas as pessoas não sabem o que fazer com isso.

“Você vê a notícia da semana: Temer liberou a exploração mineral de uma reserva protegida. Que loucura isso! Você bota o ser humano lá dentro, dali a pouco acabou. Aqui em Minas, que é um lugar muito fácil de ser fiscalizado, de ser protegido, tivemos um dos piores acidentes ecológicos do planeta, que foi o da Samarco, em Mariana. Imagine lá no meio do Pará, quem vai fiscalizar aquilo? Nós não temos responsabilidade com o nosso planeta, e isso provavelmente vai nos levar, se nada fizerem para reverter, a uma situação de colapso.”

– Ao ler o livro, conclui-se que as pessoas têm muito medo das profecias do fim do mundo, mas, na verdade, a humanidade, por si mesma, caminha para o fim…

Ela vai dar conta disso. Se tudo der certo no sentido de dar errado, a gente vai transformar nosso planeta em algo inabitável, muito antes de o mundo acabar. Existe um cenário em que o sol vai se transformar numa gigante vermelha e vai transformar a terra num carvãozinho. Isso é fato científico. Isso deve acontecer de um a cinco bilhões de anos. Muito antes disso, a gente vai transformar nosso planeta em um lugar inabitável, porque a gente não tem inteligência suficiente para aproveitar nossos recursos. Você vê a notícia da semana: Temer liberou a exploração mineral de uma reserva protegida. Que loucura isso! Você bota o ser humano lá dentro, dali a pouco acabou. Aqui em Minas, que é um lugar muito fácil de ser fiscalizado, de ser protegido, tivemos um dos piores acidentes ecológicos do planeta, que foi o da Samarco, em Mariana. Imagine lá no meio do Pará, quem vai fiscalizar aquilo? Nós não temos responsabilidade com o nosso planeta, e isso provavelmente vai nos levar, se nada fizerem para reverter, a uma situação de colapso. Esta é uma das reflexões mais importantes: a nossa responsabilidade com o planeta, que começa com o que cada um pode fazer.

“Para mim, é uma necessidade estar escrevendo e propondo reflexões sobre isso. Agora, acho também que a gente precisa não desistir. Escrevi isto outro dia: “Só não desisto, porque não consigo, não sei fazer isso”. Os movimentos históricos não são lineares, ou ascendentes, ou descendentes, eles são caóticos. A gente vai fazendo cortes na história e percebe que ela é toda perpassada por movimentos caóticos, que não têm uma continuidade regular. Então, a gente tem que acreditar que essas pequenas interferências conseguem provocar nichos de crescimento.”

– No teatro, já são 40 anos de estrada, já como autor de livros, é tudo muito recente na sua vida. Numa sociedade em que as pessoas querem é livro de colorir ou, quem sabe, livros com páginas em branco, como você mesmo prevê no seu texto, o que a publicação de um livro representa para você?

Representa uma angústia, um desafio. Para mim, é uma necessidade estar escrevendo e propondo reflexões sobre isso. Agora, acho também que a gente precisa não desistir. Escrevi isto outro dia: “Só não desisto, porque não consigo, não sei fazer isso”. Os movimentos históricos não são lineares, ou ascendentes, ou descendentes, eles são caóticos. A gente vai fazendo cortes na história e percebe que ela é toda perpassada por movimentos caóticos, que não têm uma continuidade regular. Então, a gente tem que acreditar que essas pequenas interferências conseguem provocar nichos de crescimento. Não é fácil mesmo, ainda mais porque entrei num segmento de mercado que é mais complicado ainda, porque não escrevo romance, não escrevo autoajuda, e todo mundo quer ler romance e autoajuda. Escrevo texto de humor sério, texto de humor complexo. Tem hora que olho para meu livro e penso: “que ideia foi essa que tive de falar sobre esses assuntos? Ninguém vai querer ler isso.” Mas é disso que quero falar, é isso que eu quero fazer. Aí esta é minha luta: tenho que conseguir publicar, vender, convencer as pessoas disso. Dá muito mais trabalho.

– No começo deste ano, surgiu o convite da Non Stop. Você diz que seu desafio é facilitar a transposição do mundo virtual para o real. Como funciona esse seu novo projeto?

Foi uma mistura de milagre com sorte, com sem explicação. Tenho 61 anos de idade. Nessa época da vida, o mercado já está te jogando para fora. Você não tem mais oportunidades. O mercado e a sociedade odeiam os idosos. E esse ano, completando 40 anos de carreira, recebi o convite para escrever texto para  youtubers. Escrevo para youtuber de 7 anos de idade até 60 anos. Essas pessoas que têm alta taxa de popularidade na internet começaram a sentir vontade de ver os fãs deles, de encontrar com eles. Só que, quando vão para o teatro, eles não têm texto, porque, quando você grava um vídeo para o YouTube, é quase que improvisado. Às vezes, rabisca umas ideias. Na verdade, o vídeo de YouTube é mais edição do que texto, é mais o trabalho do editor, que faz os cortes, faz os movimentos. Quando precisaram de texto, foi aí que entrei. A minha sorte é que o pessoal da Non Stop, que é hoje a maior empresa produtora de elenco de humor do Brasil, que tem sede em juiz de fora, me conhece e me convidou para participar desse projeto. Escrevi para o Christian Figueiredo, Dani Russo, Tiririca. Estou escrevendo para o Carioca do Pânico, para o T3ddy. Só esse ano, já escrevi, dirigi e estreei quatro espetáculos. É um trabalho que me absorve muito, escrevo muito, mas é uma alegria. Estamos vivendo um momento difícil para o teatro, porque essa geração que está consumindo cultura em Smartphone  não conhece teatro, eles precisam ser apresentados a ele. E esse trabalho que a Non Stop está fazendo tem uma importância enorme de poder levar de volta as grandes plateias para as casas de espetáculo. São pessoas que têm 20 milhões de inscritos no canal, é gente do Brasil inteiro. Meu trabalho foi, além de simplesmente conduzi-los ao teatro, colocar texto no espetáculo deles, colocar informação, questionamento, interação deles com os espectadores. Aí quem sabe, na próxima geração de espetáculos deles, a gente já não tem um espetáculo mais bem elaborado, com uma dramaturgia mais bem tratada? Quem sabe da próxima vez eles já não estão representando um clássico? Eles estão tomando gosto pelo teatro.

livro o fim do mundo é hoje

 

“O fim do mundo é hoje”

Autor: Gueminho Bernardes

Editora: Giostri (120 páginas)

Lançamento: 29 de agosto, às 19h, no Cine-Theatro Central

Marisa Loures

Marisa Loures

Marisa Loures é professora de Português e Literatura, jornalista e atriz. No entrelaço da sala de aula, da redação de jornal e do palco, descobriu o laço de conciliação entre suas carreiras: o amor pela palavra.

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