Sinestesia

Por Nara Vidal

Talvez precise andar mais pelo mundo e encontrar alguém que também sinta os gostos dos nomes. As expressões de espanto ou desdém continuam indicando que falta conhecer alguém com o paladar em dia para nomes e palavras. Ah… a palavra “palavra” por exemplo tem gosto de bife acebolado.
Nunca existi sem sentir esses gostos que nada têm a ver com o significado dos nomes. Alguns já entendi que rimam, mas outros continuam me causando questionamento. Se não, como eu poderia explicar que Rodrigo tem gosto de umbigo, assim como Guilherme, Humberto e Roberta. Alguns nomes têm gosto tão forte que jamais mudaram, desde que me dei conta disso, aos seis, sete anos. Cláudio e Cláudia continuam tendo gosto de peito de frango. Bete, Fábio, Fabrício, Fabiane e Fabiana, bife. Carlos, Carla, Carolina são todos de chocolate. Porém Carlos e Carla são chocolates cremosos, como se fossem brigadeiros de panela. Carolina é puro sonho de valsa. Paula, que gosto inconfundível: pudim de leite. Mas Paulo tem gosto de botão de camisa. Álvaro é ovo e Vicente é chuva. Silvana é sombrinha e Solange, empada. Eduardo, Sérgio e Adriana são cesto de vime. E que gosto tem Janaína senão de amendoim. Raquel tem gosto de bala de coco daquelas caseiras. Cristian, Cristina e companhia são biscoito seco, tipo caramujo ou torrada. Marcelo, Ricardo são puro plástico. Marcelo, no entanto, tem gosto de plástico mais sofisticado. Ricardo poderia ser até um balde de plástico. Mas vejam que estranho: Richard já é um espirro! Letícia é presunto. Mônica e Luciana, talco. Gustavo, iogurte. Liliana, Priscila são brincos de brilhante. Bruno e Bruna… são uma gelatina de caramelo. Será que existe? Fernanda é tambor. Susana, pura festa com bombom de coco. Marco, Leo e Leandro, não ousaria dizer. Kátia tem gosto forte de abacaxi. Renata, Renato são queijo tipo Minas. Tiago é azeitona, André é semente de maçã. Célia é seringa, Daniel é bombom de ameixa. Sâmia é misto-quente e Monique é um pote de Danette. Alguns nomes não me chegam com gosto de nada. Isso não define meu apreço por eles. Confesso que prefiro que não me perguntem os gostos que têm os próprios nomes. Às vezes, os gostos são terríveis e as pessoas que carregam tais identificações são gente muito fina. Mas os gostos estão ali, sempre os mesmos, fortes, como Hilda para doce de leite.
Isso tudo sem falar das cores que têm os números. Talvez essa característica seja mais usual. Quem mais vê o cinco vermelho, o quatro azul, o seis amarelo e o sete verde? Pesquisando sobre o assunto, descobri que é uma condição neurológica relativamente rara e que se caracteriza pela mistura de sensações. Tem quem, enquanto vê uma cor, escuta um barulho. Imagina?
Chama-se Sinestesia. Pode ser hereditário e é mais comum em mulher, cerca de 75% dos casos. Não nos causa dor ou incômodo. Na verdade, acho curioso sentir esse sabor, ver essas cores.
Às vezes, acontece de um nome que eu não ouvia ou dizia antes com qualquer frequência, aparecer e ter um gosto muito dominante e inconfundível. Um exemplo é um nome bastante comum e que deu para aparecer toda hora: Jair. Jair tem gosto de lixo.
A sinestesia tem dessas verdades. Não é possível lutar contra os sentidos.

Nota: Claro, eu me refiro a um tipo de Jair em especial. Sem qualquer ofensa a qualquer outro Jair senão esse que me dá gosto de lixo mesmo.

Nara Vidal

Nara Vidal

Nara Vidal é escritora. Nascida em Guarani, Zona da Mata mineira, em 1974, há quase duas décadas vive em Londres. É autora de mais de uma dezena de títulos, a maioria deles publicados em português. Dentre eles, os infanto-juvenis "Dagoberto" (Rona Editora) e "Pindorama de Sucupira" (Penninha Edições), os de contos "Lugar comum" (Passavento) e "A loucura dos outros" (Reformatório), e o romance "Sorte" (Moinhos), premiado com o terceiro lugar no Oceanos de 2019.

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