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‘É possível ter sucesso sem transgredir os padrões éticos’

Hugo Borges capa

“Louco mesmo é alguém querer ser o cara mais rico do mundo e muita gente achar legal.”

Hugo Borges 2
“Quem viveu um regime de exceção, sem as liberdades ditas democráticas, não pode achar, de forma alguma, que essa volta pode ser melhor.”
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Por um instante sua mente viaja no tempo e lá está, guardada em um espaço especial da memória infantil, o personagem que fazia sua mãe preparar a casa para um ritual todo próprio que o inspirou na escolha da profissão. Na véspera do Dia do Médico, o presidente da Unimed Juiz de Fora, o anestesiologista Hugo Borges, fala da sua emoção com a medicina, dos assombros com o país e de um jeito de fazer política que o deixa mais próximo da sanidade,para viver o que os outros consideram ser a sua loucura.

 

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Por que a medicina?

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O que me chamou para a medicina foi a figura do médico. Lembro que em casa, quando era criança, minha mãe tinha aquela preocupação de colocar uma toalhinha nova, sabonete, porque o médico de família ia chegar. Ele sempre entrava, lavava as mãos. Era um ritual que me chamava muito a atenção. A presença dele na minha casa me marcou muito.

 

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E tantos anos depois que o senhor abraçou a profissão a emoção ainda é a mesma?

A minha visão é a mesma. Eu até busquei, com a cooperativa, ficar sócio de 1.400 médicos. É gostar muito mesmo da profissão, do profissional. Mas não dá para aceitar o que a gente tem visto hoje. Tanta dificuldade na saúde por conta do subfinanciamento no setor público e no privado – custos crescentes, recursos finitos – e volta e meia colocam o médico como pivô dessa situação. Como toda a profissão, há os comportamentos dissonantes, mas culpar o médico é uma inverdade. Vejo um colega e tenho a mesma impressão daquele profissional que ia à minha casa. Um sujeito que está aí para a entrega, para ver o problema do outro a despeito do seu próprio problema. Ainda tenho a visão do médico com essa nobreza do exercício profissional eespero não a perder nunca.

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É isso que o motiva a permanecer na presidência por tanto tempo? 

É um propósito definido de vida tentar melhorar as condições de vida das pessoas. Eu gosto muito de gente, de lidar com elas. Temos um público externo, que são os beneficiários da Unimed, a sociedade de Juiz de Fora como um todo. E, internamente, nossos colaboradores, mas sobretudo os médicos. A Unimed foi criada no Brasil há 50 anos, com o compromisso de zelar pela respeitabilidade, pelo conceito, pelas questões éticas, pelas condições de trabalho, por uma remuneração digna e pela vigilância nos cuidados com os beneficiários.Melhorar essa relação médico-paciente, agregando valor a ela, é o que faço como propósito de vida.

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A questão política sempre foi muito forte para o senhor e a Unimed reúne essas duas coisas, o exercício da medicina e a política, não é?

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E vou dizer mais. O desencanto com a política convencional, partidária, me fez voltar ainda mais meu olhar para cá, porque aqui a política é muito pura ainda, muito boa de se fazer, porque não se deixa levar pelo dinheiro. Aqui o que se preza é o relacionamento pessoal, o faceto face, o zelo pelo colega, a empatia – colocar-se no lugar do outro. O papel do político é esse. Ser o porta-voz das necessidades sociais. Aqui dá para fazer política limpa, na melhor acepção do termo. As cooperativas são um sistema político. Têm eleição direta, voto secreto, livre adesão e política entendida como aprimoramento das relações entre as pessoas. Isso é fantástico. Não tem aquilo que encontramos na política tradicional, sem querer generalizar, mas as exceções de uma minoria correta são poucas e quase nunca a gente as vê. O que toma conta do cenário é essa maioria que faz outra coisa que não considero política.

 

A Unimed Juiz de Fora foi criada no período da ditadura militar. E como o senhor vê as discussões em relação ao retorno deste regime, sobretudo, motivadas pelas redes sociais?

Imaginava que essa discussão voltasse pelo ambiente criado de descrença, em que se tenta achar um salvador da pátria. Isso é um perigo. A história da humanidade é cravada de exemplos deste tipo. Ainda acho que o melhor sistema, em que pese todos os defeitos, é o democrático. É a democracia, o voto direto, o sufrágio universal, o voto secreto, a discussão política. O fato de termos chegado onde chegamos não justifica que o sistema tenha que ser revisto. O Diretas Já foi um movimento muito bonito no Brasil inteiro e quem viveu um regime de exceção, sem as liberdades ditas democráticas, não pode achar, de forma alguma, que essa volta pode ser melhor. Um congresso ruim é espelho de uma sociedade que precisa melhorar.

“Louco mesmo é alguém querer ser o cara mais rico do mundo e muita gente achar legal.”

 

Em que esse momento ruim pode ser positivo?

Nunca se falou tanto em política no país. Hoje todo mundo sabe o nome do juiz do Supremo, que está muito politizado, inclusive, sabe o nome dos deputados e governadores. Está na moda, está na onda. A rede social defenestrou isso deforma que, em toda roda de barzinho, as pessoas estão discutindo o país. Isso é muito bom. E o processo está tão acelerado, tão rápido, que acho que ainda há tempo suficiente para surgir alguém bem-intencionado que vá pegar uma bandeira boa e dizer ‘vem por aqui’. E já iremos corrigir alguma coisa nesta eleição, principalmente, se forem cortados os processos perversos, como financiamentos espúrios, essa promiscuidade entre o empresariado e a política. Uma coisa absurda, inaceitável. É possível ter sucesso sem transgredir os padrões éticos. Tem que haver uma separação muito bem definida entre a atividade empresarial sustentável e a atividade política decente, honesta e correta. Essa promiscuidade que aconteceu é o fim da picada. Tivemos recentemente a declaração de um empresário dizendo que queria ser o homem mais rico do mundo. O sujeito que fala uma frase desta está afastado não é de Deus não. É do mundo. E as pessoas paravam para ouvi-lo, compravam livro dele e hoje ele está preso. Não se sabe quem é o pior: o político ou esse tipo de empresário que passou a governar o país, a dar palpite no que o presidente deve fazer.

 

E por falar em organizações de sucesso, a Unimed Juiz de Fora completa 45 anos, inaugurando seu hospital. Isso é prova de maturidade?

É prova da maturidade. É prova da sustentabilidade. É prova da suficiência econômico-financeira. É prova da gestão. As pessoas que trabalham aqui têm consciência de que isto é um mútuo, os recursos não são delas, mas das pessoas que depositam suas economias. E 45 anos é muita coisa se a gente considerar a mortalidade das empresas no país. O hospital Unimed vem chancelado por um consórcio de instituições financeiras que rastreou toda a organização, para poder assinar embaixo. Isso é motivo de orgulho e segurança.A rede prestadora de Juiz de Fora é, tradicionalmente, muito boa e queremos somar, trazer ainda mais qualidade, mais valor. Queremos ser referência em atendimento humanizado e acolhimento. Por isso, gostar de pessoas será a primeira exigência para quem irá trabalhar no hospital, vindo antes até mesmo do currículo.Infelizmente, ainda vemos muita gente no mercado com perfil contrário.

 

Mas o senhor não acha que o mercado exclui automaticamente essas pessoas?

Sim, em parte. Me assusta muito ver pessoas defendendo um sujeito extremamente preconceituoso, que não admite a discussão de gênero, que ofende mulheres, que exerce liderança política por seu lado homofóbico e racista. Não deveria haver espaço para alguém assim, mas ainda há, lamentavelmente. Espero que ele continue para o resto da vida com esses 15% de audiência.

 

O ditado popular afirma que de médico e louco todos nós temos um pouco. O seu lado médico a gente já sabe, mas qual é seu lado louco?

O lado louco que muita gente fala é exatamente o que eu faço. Essa coisa de querer muito o coletivo, de trabalhar para que as coisas deem certo para todo mundo, de querer que o direito da maioria prevaleça. Acredito, seguramente, que é o querer com a força do coração que faz, de fato, as coisas acontecerem. Sei que são crenças tão pouco em moda, consideradas até ultrapassadas, mas acho que louco mesmo é alguém querer ser o cara mais rico do mundo e muita gente achar legal. Tem um texto do Nizan Guanaes que gosto muito. Diz assim: “Não paute sua vida, nem sua carreira pelo dinheiro. Ame seu ofício com todo coração. Persiga fazer o melhor. Seja fascinado pelo realizar que o dinheiro virá como consequência. Quem só pensa em dinheiro não consegue sequer ser nem um grande bandido, nem um grande canalha. Napoleão não invadiu a Europa por dinheiro. Hitler não matou 6 milhões de judeus por dinheiro. Michelangelo não passou 16 anos pintando a Capela Sistina por dinheiro. E, geralmente, os que só pensam nele não o ganham. Porque são incapazes de sonhar. E tudo que fica pronto na vida foi construído antes, na alma.”

 

Sua profissão e seu ofício – o senhor integra o Conselho da Central Nacional Unimed – já o levaram para vários lugares deste país. Onde Juiz de Fora se situa neste cenário?

A cidade tem um conceito muito bom lá fora e é boa demais. Tem ótimos indicadores de escolaridade, oportunidades, localização estratégica. O povo daqui é diferente do mineiro tradicional, porque é mais relaxado. É verdade que a guerra fiscal pelo ICMS trouxe perda política importante. Perdemos muito poder de fogo, empresas deixaram a cidade. Porém,acredito que nesta busca das pessoas por qualidade de vida, Juiz de Fora estará cada dia mais valorizada. É uma questão de tempo. Não dá para ser uma ilha de excelência com o Brasil do jeito que está. Se o país melhorar um pouco Juiz de Fora deslancha. Está pronta em termos de infraestrutura, de cultura. Questões que fazem uma cidade ser grande.

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