“Manda Nudes”
Você já mandou “nudes” para seu (sua) parceiro(a)?
Pelo que tenho ouvido no consultório, parece que enviar fotos nuas para o(a) “crush” (que também pode ser namorado(a), peguete, ou afim), já é parte integrante da (quase) maioria dos relacionamentos.
Parece que antes as pessoas conversavam por telefone e, antes de desligar, mandavam beijos.
Agora, elas conversam por chamadas de vídeo ou mensagens e, antes de finalizar, enviam “nudes”.
Por um lado, percebo que para alguns casais, esse comportamento tem o poder de “apimentar” a relação.
Mas, por outro, tenho ouvido histórias sobre o uso inadequado e até “perverso” de tais imagens.
Quando alguém se permite ser fotografado ou filmado nu é porque há muuuuita confiança no outro.
A divulgação na Internet de fotos e vídeos da intimidade do casal, para mim é, no mínimo, falta de empatia.
O resultado da “brincadeira” de mau gosto, normalmente é um desastre.
Pode incluir desde tristeza, melancolia e depressão até o extremo da desesperança: o suicídio.
Mas, se engana quem acredita que usar “nudes” e vídeos como forma de chantagem ou vingança é um comportamento recente…
Leia esta história e se surpreenda…
Nudes, vídeos eróticos e… chantagem
O ano era 2004.
O dia?
Dois de agosto. Como eu me lembro? Este é o dia do meu aniversário…
Depois do trabalho, o plano era encontrar amigos para comemorar.
Nada demais, afinal era uma segunda-feira.
Minha última sessão estava agendada para 20 horas.
Na minha cabeça, eu terminaria, no máximo, às 21 horas… #SQN (pra quem ainda não sabe, como eu já não soube um dia, este “trem” aí de #SQN significa SÓ QUE NÃO).
Voltando à história…
Atrasados, o casal agendado para 20 horas, chegou às 20:20h.
Até pensei que não viessem…
Mas, vieram…
Ela tinha 39 anos.
Ele 42.
Ela, muito bonita e elegante, era dona de uma boutique.
Ele, meio largadão, mas muito simpático, trabalhava com TI.
Ela, a quem chamarei de Marta, queria se separar.
Ele, a quem chamarei de Pedro, não concordava com o término do relacionamento de 6 anos…
“Doutora” – disse Marta – “Preciso que explique para ele que acabou”.
“Doutora” – disse Pedro – “Preciso que explique para ela que não aceito! Não quero que acabe e não vai acabar”.
Marta me olhava com cara de: “Tá vendo?”
Pedro me olhava com cara de: “É isso mesmo!”
Cada um falava um pouco defendendo seus argumentos, usando suas teorias …
O resumo:
Ela se decepcionou com ele porque achava que ele não gostava dos filhos dela. (Eram dois, frutos do primeiro casamento).
Ele se decepcionou com ela porque achava que ela não gostava realmente dele.
Afirmava que ela apenas havia se aproveitado dele financeiramente.
A boutique de Marta estava praticamente falida 6 anos antes, quando se conheceram.
Pedro investiu dinheiro, tecnologias e modernizou a loja.
Em pouco tempo, a boutique, que tinha know-how e era conhecida na cidade, voltou a crescer.
Mas, inversamente, a relação de Pedro com os filhos de Marta só decaía.
Os filhos, dois adolescentes, um de 15 anos outro de 17, nunca aceitaram que Pedro “tomasse” o lugar do pai, que morrera num acidente.
Vida Sexual Fragiizada
A vida sexual do casal, como ocorre naturalmente quando um relacionamento chega a este ponto, não estava nada bem:
“Ela não me procura mais, doutora!”
“Ele que não entende que trabalho muito! Fico cansada! E ele quer transar todos os dias! Eu não sou máquina!”
“Mas, quando eu a procuro – disse Pedro – ela também não corresponde!”
“Sinto falta do início de nosso relacionamento. Nossa vida sexual era muito “quente” e ela trabalhava do mesmo jeito!”
“Às vezes (continuou ele), penso que ela só ficou comigo porque precisava de dinheiro. Mas, agora a vida dela já está arrumada de novo, não precisa mais de mim” …
“Eu odeio quando você fala isso!” – disse Marta.
“Mas, você não me deixa outra opção. – disse Pedro.
(…)
Blá… blá… blá…
Eu deixei que falassem…
Estavam precisando…
Até que em determinado momento uma fala de Pedro me chamou atenção…
A ameaça
Ele disse:
“Você quer terminar?”
“Então, termine! Mas amanhã todas aquelas fotos e vídeos vão chegar no e-mail de seus queridinhos” …
“Seus filhos vão ver o que a mamãezinha (com ar de deboche) deles é capaz de fazer entre quatro paredes.”
Neste momento, Marta me lançou um olhar de desespero…
Interrompi:
“Pedro, não entendi isso, você pode ser mais claro, por favor?” …
“Eu explico, doutora!”
“Tenho muitas fotos e vídeos de nossa intimidade”.
“Tem de tudo lá” …
Se ela terminar comigo, vou mandar tuuuudo para os filhos dela. Eles vão saber quem é a mãe deles” …
Numa sessão de casal, sempre existe um momento tenso.
Eu diria que este foi um desses momentos.
Mas, posso garantir que foi apenas o primeiro…
“Mas, você acha esta atitude justa, Pedro?” – perguntei.
“Sim!” – disse ele.
“Mas, os casais ficam juntos quando se amam, quando têm afinidade… Você acredita que ter uma mulher ao seu lado através de chantagem, pode ser uma boa escolha? – continuei.
“Se esta for a única forma de fazer com que ela continue comigo, por mim, tudo bem!”
Blá… Blá… Blá…
(…)
“Nudes” para os filhos dela, por quê?
Foi preciso muita argumentação…
Mas, aquele homem estava determinado à vingança.
Ele estava irredutível!
Nada que eu dizia parecia ser maior que o “medo” de perder a “amada” (se é que podemos chamar isso de amor).
“O que vocês fizeram nos momentos de intimidade só cabe a vocês dois”. – Eu disse.
“E se este material foi produzido é porque AMBOS estavam de acordo, não?” – continuei.
“Sim!” – Falou Pedro.
“Mas, se agora ela não quer mais ficar comigo, vou mostrar ao mundo quem é ela de verdade!” …
Queridos leitores…
Quem é que precisava SE conhecer de verdade?
Foi esta a pergunta que fiz a Pedro…
Com muita educação e elegância fui questionando o comportamento aquele homem…
Entendo que o desespero, o medo de perder o outro, o medo da solidão pode cegar as pessoas…
Mas, a sensação que eu tinha era a de que faltavam peças naquele quebra-cabeças…
Por que mandar as “nudes” para os filhos dela?
O que se passava naquela mente?
Onde estavam:
- A empatia?
- A autoestima?
- A aceitação da realidade?
Terapia de Casal: momentos de tensão
Eu não podia deixar que aqueles dois fossem embora sem ao menos tentar uma solução.
Acho que eu, que já péssima para dormir, teria um ótimo motivo para passar a noite em claro.
Foram horas (sim, hoooras!) de muita angústia…
Para Marta, para Pedro e para mim…
“Para você também, Elisangela?” (Talvez você se pergunte).
“Sim! Eu respondo!”
Conduzir uma sessão de casal, na maioria das vezes, não é missão simples…
Mas, depois de muita conversa e negociação, Pedro mudou de ideia.
Prometeu eliminar todo material.
E o que restava a mim e a Marta?
Confiar na palavra dele…
Me parecia convencido, mas, o ser humano é imprevisível…
Quem poderia garantir que não era apenas uma estratégia para sair do consultório, chegar em casa e executar “seu plano” inicial?
Resposta: Ninguém!
Mas, a feição de Marta já era outra.
Ela também parecia acreditar nele…
Encerrei a sessão, como sempre faço, com um forte abraço em cada um deles…
Olhei bem dentro dos olhos de Pedro…
Não falei nada…
Mas, acho que ele entendeu o que meu olhar dizia…
Na vez de Marta, ela me apertava tanto…
Abraço de gratidão…
Agora, quem estava com medo era eu…
Medo de decepcionar aquela mulher…
Eu tinha dado o meu melhor…
E olha que naquela época, o meu melhor devia ser “quase” medíocre…
Eu tinha pouca experiência.
Cinco anos de experiência não é muita coisa quando o assunto é a mente humana…
É preciso ouvir muito!
Esbarrar no “incomum”…
Ter humildade…
Não julgar…
“Por favor, reflita… Não faça isso” …
Esta era a frase que meu silêncio gritava para Pedro…
Talvez, você não acredite, mas, o dito casal saiu do meu consultório às 2:20h da madrugada…
Missão de vida x Comemoração
Está lembrando que era dia do meu aniversário?
Quando eles saíram verifiquei o celular…
Estava cheio de chamadas não atendidas e mensagens de SMS (lembrando – naaada de WhatsApp naquela época):
“Onde você está?” (essa é clássica, né?).
“Por que não quis comemorar com a gente?” (essa é da galera mais dramática!).
“Se queria passar seu aniversário a dois, era só ter avisado”! (essa é da turma que só pensa”naquilo”).
Enfim…
Respondi a todos e fui pra casa.
Claro que ninguém acreditou em mim.
Talvez, nem você acredite…
Acho justo.
Talvez, eu também desconfiasse de uma história dessas…
Só que ela ainda não acabou…
Quando o algoz também é vítima
No dia seguinte, Pedro agendou uma nova sessão.
Confesso que me surpreendi…
Mas, imaginei que quisesse apenas me contar o desfecho da história com Marta.
Era isso também…
Mas, rolou uma “surpresinha”…
Sabe quando dentro do Kinder Ovo vem um brinquedo que você não agrada?
Essa foi a sensação que tive naquele momento…
“Doutora, queimei tudo! Todos os DVD’s, fotos e vídeos”.
“Que sensacional! Parabéns, Pedro!” – Eu disse.
“Fico muito feliz por sua decisão!”
“Eu também!” – falou Pedro.
“Muito obrigada por me ajudar a enxergar a coisa certa”.
“Além de agradecer, vim aqui porque resolvi continuar a terapia, agora, individualmente” …
“Eu preciso” …
“Que ótimo! Vamos lá!”
“Tem uma coisa que eu nunca contei a ninguém… Isso me perturba” …
“E, a forma como conversou comigo ontem, me fez ter vontade de contar isso pra você”.
“Eu desisti da ideia das fotos porque precisava voltar aqui” …
“Muito obrigada pela confiança em meu trabalho, Pedro.”
“Me diga, em que posso lhe ser útil?”
“Eu fui vítima de abuso sexual na infância” …
No artigo Sobre escrever um blog, contar histórias e ajudar pessoas ressalto sobre a importância do passado para relacionamentos saudáveis.
Infelizmente, Pedro era refém do passado…
Quer entender como uma pessoa passa de vítima a algoz?
Então, não perca o próximo artigo!
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