Desde o ano passado, um novo vírus, o coronavírus da síndrome respiratória aguda grave 2 (SARS-CoV-2), se tornou o centro da atenção global por sua ampla propagação, de modo que todo o mundo vem enfrentando a COVID-19.
Infecções respiratórias por vírus geralmente são associadas a produção de citocinas, inflamação, morte celular, entre outros processos fisiopatológicos, todos de alguma forma associados com o estresse oxidativo, o qual se dá através da falta de equilíbrio entre produção de substâncias oxidantes, em especial as espécies reativas de oxigênio, e a defesa antioxidante do organismo .
De um modo geral, um certo nível de espécies reativas de oxigênio é importante para regular as respostas imunológicas e eliminar o vírus, mas uma quantidade excessiva de espécies reativas de oxigênio irá oxidar proteínas e lipídios da membrana celular. Essa oxidação pode destruir rapidamente não somente as células infectadas pelo vírus, mas também células não infectadas, prejudicando o funcionamento de órgãos importantes como pulmão e coração. Nesse sentido, surgem propostas de emprego de antioxidantes, como a vitamina C, na intervenção terapêutica contra a COVID-19, visando diminuir os danos causados pelo estresse oxidativo.
Várias propriedades da vitamina C fazem com que ela pareça uma opção atrativa tanto para prevenção da infecção viral, como para o tratamento da doença resultante, e essas propriedades vão além do seu efeito antioxidante, podendo ainda diminuir a expressão genética de citocinas pró-inflamatórias e aumentar a morte do agente patogênico em certos tipos celulares. Mesmo com esses potenciais benefícios, não existem evidências que confirmem o uso rotineiro de vitamina C como método efetivo para prevenção e tratamento de infecções virais como a COVID-19.
A análise de uma série de estudos clínicos controlados mostra que o uso regular de vitamina C causa uma modesta diminuição no tempo de duração da gripe comum, em torno de 8% em adultos, enquanto o uso terapêutico da vitamina C não altera nem a duração, nem a gravidade da gripe comum.
Outros estudos clínicos avaliam também os potenciais benefícios da vitamina C em condições graves como sepse e síndrome de angústia respiratória aguda (SARA), condições que se manifestam no agravamento da COVID-19 . Um estudo clínico realizado entre 2017 e 2018 com 167 pacientes, mostra que em pacientes com SARA e sepse, a vitamina C administrada na dose de 200 mg/kg/dia por via intravenosa por 4 dias não altera significativamente a gravidade da doença, apesar disso a mortalidade no 28º dia diminuiu significativamente e o número de dias livres de UTI foi significativamente menor em pacientes que fizeram o uso de vitamina C . Outro estudo realizado entre 2018 e 2019 com 216 pacientes, mostra que a combinação de vitamina C por via intravenosa, com hidrocortisona e tiamina, no tratamento de pacientes com sepse, não aumenta a sobrevida, nem diminui a necessidade do uso de medicamento para normalizar a pressão arterial .
Mais de 20 testes clínicos randomizados e controlados com algum uso de vitamina C em pacientes de COVID-19 estão cadastrados atualmente no site (clinicaltrials.gov) do Instituto Nacional da Saúde dos Estados Unidos (NIH). Em alguns estudos a vitamina C aparece como método auxiliar no tratamento ou na prevenção da COVID-19, sendo empregada por via oral em doses que variam de 100 mg a 200 mg por dia .
No entanto, os estudos que visam o uso da vitamina C como tratamento da COVID-19 preveem a administração em doses bem mais elevadas e por via intravenosa, variando de 8 g a 28 g por dia.
O conhecimento de possíveis efeitos da vitamina C sobre a COVID-19 virá desses estudos que estão ainda em fase inicial, no entanto, já se observa que apenas com doses elevadas é que se espera algum benefício real, doses essas que não podem ser alcançadas com as apresentações da vitamina disponíveis nas farmácias.
Deve-se ter em conta ainda que a dose máxima diária segura de vitamina C para adultos é de 25 mg por quilo de peso, o que é alcançado com o consumo de apenas um comprimido de 2 g, ou seja, o tratamento diário com a maior dose segura ainda não alcançaria as doses dos estudos. Ingerir quantidades muito altas de vitamina C não resolveria esse problema, uma vez que a absorção intestinal da vitamina C é dependente de transporte ativo e portanto limitada, de modo que 70% a 90% de doses moderadas (30 – 180 mg/dia) são absorvidas, enquanto em doses maiores que 1 g/dia a absorção cai para menos de 50%. Além disso, os eventos adversos no trato gastrintestinal (náusea, vômito, azia, cólicas abdominais) poderiam limitar a dose, e ainda, altas doses de vitamina C podem estar associadas a formação de pedras nos rins.
Sendo assim, não há evidência científica suficiente para justificar o consumo diário de suplementos a base de vitamina C para prevenção ou tratamento da COVID-19, enquanto estudos clínicos não produzem seus resultados, deve-se atentar para medidas comprovadamente eficientes para conter a pandemia, tais como isolamento social, uso de máscara e higiene das mãos .
Fonte: Prof. Dr. Leandro Louback da Silva