Betânia dista três quilômetros, ou 15 estádios como prefere o Evangelho de João, de Jerusalém e do Monte das Oliveiras. Conta a Bíblia que duas irmãs, Maria e Marta, ao verem Jesus passando pelo lugarejo, abriram-lhe as portas de casa para acolhê-lo. Cuidaram do homem que tão bem delas cuidou. O mesmo homem que ao ver Lázaro na sepultura ofereceu-lhe, uma vez mais, a vida. “Todo aquele que vive e crê em mim nunca morrerá.”
Quando cuidada foi, Maria Elizabeth Vidaurre Nassif percebeu sua hora de também cuidar. “O Padre David José Reis era pároco aqui na Igreja do Rosário. Ele era o capelão do Instituto Oncológico Hospital 9 de Julho e via a realidade do povo simples que chegava aqui. Naquela época, a quimioterapia e a radioterapia eram muito mais agressivas que hoje. Ele se sensibilizou com aquele pessoal que chegava para se tratar e não tinha como ir ao banheiro, trazia marmitas e azedava, enfim, com toda a precariedade de um povo que não tinha onde reclinar a cabeça e ainda tinha o câncer”, lembra-se.
Amigo de sua família, o padre franciscano convidou a mulher para o trabalho de acolhimento àqueles doentes. “Não me senti sensibilizada. Ele, vendo que não tinha onde abrigar as pessoas, abriu a casa paroquial. Depois foi para um quartinho pequeno nos fundos e deixou o resto do lugar para os doentes. A comunidade toda ajudava, mandando sucos, comidas, o que precisava”, recorda-se Beth, que, anos mais tarde, acompanhando o marido Paulo, então nomeado para o trabalho no Banco do Brasil, mudou-se para Juiz de Fora. E mais de perto ouviu os clamores do religioso amigo.
“Nesse ínterim, há 13 anos, minha filha Laura teve uma criança doente, a Maria Luísa. A doença não era conhecida, e a criança foi enviada para um hospital no Rio de Janeiro. Lá fiquei seis meses. Havia tudo do bom e do melhor para o doente. Nós, as acompanhantes, não tínhamos nada. Percebi o que o Padre David falava, que a pessoa ficava sem nada. Eu tinha condição de comprar minha comida, tínhamos conforto, carinho e pensava no que o padre falava. Quando voltei, um dia, à noite, falei com meu marido: ‘Acho que essa casa não abriu até hoje porque Deus está me esperando’. Ele mandou eu virar para o canto e dormir”, conta Beth, que então se despertou para a Casa Bethânia.
Por Angélicas
Já idosa e aposentada do magistério, a mulher nascida e criada em Bom Jesus do Itabapoana, radicada em Juiz de Fora, convenceu o marido e, junto dele e do padre, alugou uma casa quase em frente ao hospital, com capacidade para oito doentes apenas. “Cada um deu um pouquinho. Fiz uma reforma na casa, mobiliamos e abrimos. Nada aqui foi comprado, tudo foi doado”, diz ela, hoje aos 70 anos, 49 deles casada, mãe de Laura, Luciana e Carlowe (nome de seu pai) e avó de quatro netos. Quando preparava-se para o descanso… iniciou um trabalho que a faz levantar-se, dia após dia, às 6h em ponto. “Trabalho muito. Peço muito. Vivemos da providência. Fico encantada por ver como em Juiz de Fora as pessoas doam. Venho com prazer. É uma realização de alma. Hoje já não me sinto bem em ficar na cama por mais tempo, sabendo que tem gente precisando de mim. Mas não faço nada sozinha. Somos 60 voluntários”, pontua a presidente da Casa Bethânia, oficialmente Associação Angélica Lamóia de Carvalho.
“Assim que vim para cá, acompanhei uma menina chamada Angélica, afilhada de batismo do padre. Como éramos muito amigos, ele me pedia para levá-la no HU para fazer quimioterapia, transfusão de sangue. Era uma menina de 11 anos que teve câncer. Fui muito companheira da família dela. Quando abrimos a casa, tive o desejo de prestar homenagem a essa primeira menina que ele colocou na casa dele e que faleceu logo depois. Hoje, onde tem câncer nós estamos. Esporadicamente, recebemos algum doente em cirurgia cardíaca. Hoje não temos espaço para isso, porque nosso estatuto diz que damos preferência às pessoas em tratamento oncológico. Divulgamos nas secretarias das cidades, nas paróquias circunvizinhas de Juiz de Fora, nos hospitais e também entramos em contato com todos os motoristas das prefeituras de perto, eles são muito amigos nossos, porque se a gente os trata bem, eles tratam bem o doente.”
Por Tatianas
Bem no início, conta Beth, uma menina de nome Tatiana chegou à Casa Bethânia após descobrir um câncer justamente durante a cesariana. Vivia entre lágrimas. Ora dor, ora alegria. “A criança não tinha nada. Como ela era muito nova, a família rejeitava a relação dela com o companheiro, mas ele a tratava como uma princesa. Durou muito tempo, o câncer ia e voltava. Um dia, depois de idas e vindas, ela pediu para se casar no religioso, no hospital. Fui prepará-la, porque ela não tinha sacramento. O Padre David deu eucaristia a ela. Quando ela se casou, eu fui a testemunha”, responde Beth quando perguntada pelos casos que a marcaram ao longo dos últimos nove anos de existência da casa de passagem, que recebe pacientes em tratamento como num hotel, servindo as refeições e o aconchego de um lar.
Outro caso, recorda, é de uma jovem que adentrou o espaço já esquálida, aos 17 anos, acompanhada pelo pai. Ela saiu da casa dos pais, envolveu-se com as drogas, engravidou e, quando recebeu o diagnóstico de câncer, retornou. “A mãe, quando soube, teve uma depressão e sofreu um infarto fulminante”, conta.
Outra chegou nova, com câncer de mama, e logo curou-se. Tinha dois filhos e um marido apaixonado. Passado algum tempo, retornou com a mesma doença. Novamente curou-se. Ela engravidou, e Beth foi visitá-la. Pela terceira vez, contudo, a doença lhe tomou de assalto, e ela viveu quatro meses na Casa Bathânia, mas a doença alastrou-se, e ela precisou seguir para um hospital e depois para a própria cidade, onde se despediu. “Foi muito doloroso”, lembra Beth. Envolve-se?, pergunto. “Dá uma agonia, uma angústia. Intimamente é uma dor. Deus dá a força, mas tem situações com as quais a gente se sensibiliza mais, como a de um rapaz com câncer no rosto, de 21 anos. Ele queria se suicidar, e eu ficava até 23h com ele, cada dia era um voluntário. Ele ficava numa depressão profunda. Depois de um tempo, aconteceu um milagre, e ele começou a se levantar. O amor derruba as fronteiras ruins e aguça as fronteiras boas.”
Por Malus
Malu, neta de Beth, hoje tem 13 anos. Carrega consigo a força de servir como inspiração. “Ela é lúcida, mas tem uma doença que não tem diagnóstico. É alegre, sabe ler, mas vive numa UTI dentro de casa”, emociona-se a avó. “Vim por uma sensibilidade. Comecei a associar uma coisa com a outra e vim. Isso é o chamado de Deus. Carisma é humildade, caridade, fraternidade. Estou aqui por isso, pelo desejo de servir nessa dimensão”, pontua a mulher, que, há quase quatro décadas, junto da família, faz parte do movimento italiano dos Focolares, espalhado por mais de 180 países e surgido durante a Segunda Guerra Mundial para valorizar e difundir a importância do amor fraternal.
“Sou filha de fazendeiro e morei até os 7 anos na roça. Minha família é muito sensibilizada com a causa do pobre. Tinha duas tias freiras, e também somos muito voltados para a parte religiosa. Talvez o pobre me tocasse mais que o doente. Para mim, esse trabalho hoje não é uma realização pessoal, mas uma realização em Deus. Chego a achar que fui posta no mundo para fazer esse bem”, diz ela, que de diretora de uma escola na periferia de sua cidade passou a ser a voz de uma casa em crescimento.
Em quatro anos de existência, em 2012, a instituição mudou-se para uma nova casa, na mesma rua, com capacidade para 12 hóspedes. Tempos depois, reduziu os escritórios e refeitórios e ampliou para 20 leitos. “Penso que não podemos fazer um amontoado de doentes. Meu limite é 40 hóspedes, porque aqui o acolhimento é personalizado. Todo mundo chama pelo nome, olha no olho”, conta ela, prestes a inaugurar um novo espaço, na mesma Rua Santos Dumont, no mesmo quarteirão do 9 de Julho, presente de um amigo empresário, a quem contava a situação da casa e seu desejo de ampliar a capacidade do projeto. O prédio novinho em folha, recém-construído com capacidade para 40 hóspedes, abre suas portas no final de novembro.