Radical era descer no chão de terra molhada, com o barro respingando na roupa e na pele. Radical era descer de frente ou de costas, deitado, com o coração aos pulos e um frio na barriga. Radical era driblar os pais para que não vissem os machucados causados nas ladeiras. Para Adriano Cristino da Silva, radical, hoje, continua sendo parar o carrinho girando, fazendo a manobra de drift, sem usar o freio, mas, principalmente, dominar o rolimã na segurança da experiência. E tudo isso em sua “Ferrari” construída toda com peças recicladas. Pintado de vermelho, o carrinho de Adriano tem os rolamentos doados por oficinas mecânicas. A proteção lateral, que simula o ferro de um kart, é feita com um suporte de varal para roupas. O assento é uma velha cadeira vermelha. A estrutura, na mesma cor, é um ajuntamento de antigas portas e cadeiras de madeira. “Todo mundo cobiça andar nele, pela estabilidade que tem, pela velocidade que atinge e pela segurança que dá”, conta o homem de 42 anos e mais de 300 carrinhos construídos, 52 deles de propriedade de sua pioneira Escuderia Papaléguas de Rolimã.
“O rolimã raiz é madeira e rolamento, não tem muitas peças de ferro. O freio é um pedaço de alavanca que faz atrito no chão. Hoje em dia fazemos tipo um trem de pouso, em cada lado, com a borracha de um pneu. Antigamente eu usava martelo e prego do meu pai. Pegava serrote, madeira e arrumava uma pregação, fazendo de qualquer jeito. Com as condições de hoje, dá para fazer um carrinho de melhor qualidade”, diz ele, que neste domingo (26) realiza o 10º Encontro de Carrinhos de Rolimã, das 15h às 17h, na rua que dá acesso ao depósito do Carrefour. “O evento serve para reunir famílias, tirar as crianças da frente da televisão e dos celulares. As pistas que escolhemos são de baixa velocidade, há o risco de queda, mas é preciso seguir as instruções que damos de segurança e equilíbrio. Procuramos vias sem fluxo de carro”, explica o corredor, que oferece 20 de seus exemplares para que as pessoas aprendam ou se exercitem sob três rolamentos.
Como correr na rua
O cenário era o mesmo de sua infância, mas as ruas já estavam asfaltadas quando Adriano, pai de Arthur, de 18 anos, e Adriano Júnior, 11, resolveu construir um carrinho de rolimã. “Era só uma brincadeira, para a gente se distrair na rua. Era uma coisa diferente, da minha época. Fiz primeiro para o filho mais novo, ele gostou e, depois, fiz para o mais velho. De repente a galera foi se reunindo na minha rua, que é sem saída. E eu fui construindo os carrinhos de rolimã para eles. Quando a turma aumentou, começou minha dor de cabeça”, lembra ele. Desde o início Adriano estipulou condições, horários e formas para a turma se divertir com o brinquedo que causa muito barulho. Mas o grupo cresceu a tal ponto que o som tornou-se insuportável. E das ladeiras do Bairro Retiro, o homem passou a pesquisar outra vias, em loteamentos e bairros em construção, tal qual o Alphaville. Era outubro de 2015 quando a história começou, mesmo ano em que se realizou o 1º GP de Carrinho de Rolimã, promovido pela UFJF. Hoje, com sua escuderia, Adriano participa dos campeonatos brasileiro e mineiro de rolimã. Na semana passada, a etapa mineira foi em Lavras. E ele já correu no Rio de Janeiro, em Volta Redonda e na vizinha Chácara. Em Brumadinho, lembra, desceu os 3km de uma serra. “O pessoal conseguiu uma velocidade de 95km por hora. Eu devo ter atingido uns 70km. Não me arrisquei, até porque tenho família para cuidar”, brinca. “Os carrinhos numa categoria mais avançada chegam a 100km por hora. O risco é enorme também. E a proteção tem que ser maior. Usamos capacetes, luvas, cotoveleiras. Quanto mais equipamentos, melhor”, conta ele, dizendo nunca ter sofrido uma queda grave. “Só ralados”, ri.
Como jogar bets
A turma era grande: seus cinco irmãos, mais alguns primos e muitos vizinhos. Filho de uma doméstica e de um caminhoneiro, Adriano já “pilotava” um rolimã aos 6 anos. Ele e todos os outros. “Tinha muitas brincadeiras que hoje em dia já não fazem mais. Minha rua inteira se reunia, e a gente jogava bola, bets, pique-bandeira, um montão de outros jogos que não precisa ter muita coisa. A televisão, na minha época, eram poucos que tinham. Celular, nem pensar. Tínhamos mais tempo para brincar durante o dia. O rolimã era o mais radical. E as ruas eram de terra batida. Por isso precisávamos de rolamentos enormes para descer pequenas ladeiras. A gente se virava da maneira que podia, atrás de oficinas para conseguir rolamentos e brincar”, resgata ele, que estudou em escolas próximas de casa e fez o curso técnico de informática e foi trabalhar como auxiliar administrativo. Há oito anos atua como vigilante noturno, das 19h às 7h, numa pousada no Bairro Aeroporto. Os tempos de folga usa para cuidar da escuderia. A esposa Ana Célia reclama. “No início ela curtia um pouco, mas agora fico muito tempo cuidando do rolimã”, reconhece o homem, certo de que a brincadeira exige mais do que coragem. “Quando uma criança vai andar com a gente, a primeira sensação é a do medo, na primeira volta. Na segunda, passa a perder o medo e, na terceira, começa a abusar. Por isso, nós, na escuderia, conscientizamos as crianças e também aqueles adultos que chegam achando que já sabem andar. Vamos para o 10º encontro sem que ninguém tenha se machucado”, orgulha-se ele, contando que, ao término dos encontros, como maneira de comemorar e aproveitar o entusiasmo, segue com outros profissionais para outro rolé, em morros mais íngremes, onde alcançam velocidades maiores.
Como soltar pipa
A vida era outra. “Para mim, o rolimã é um lazer, que uso para desestressar. Antes do rolimã eu não me divertia. Era só trabalhar, trabalhar e trabalhar. Eu tinha pouco tempo com meus filhos. Muita gente do grupo tinha um quadro depressivo e levou a brincadeira como uma forma de alívio, de melhorar a vida e ter bem-estar”, defende Adriano, sobre a prática que gera adrenalina na rápida descida e exige preparo físico na longa subida, com o carrinho nas costas. Numa das recentes competições de que participou, Adriano foi desafiado pelos filhos, que alegavam que ele estava sem preparo. Bastou pegar embalo, e logo ele deixou todos de sua escuderia para trás. “O que conta é a experiência”, garante, sorrindo, vestido numa camisa com o nome e a logomarca da escuderia. “Fiz muitas amizades no rolimã e também um nome. Hoje sou uma referência em Juiz de Fora num esporte que está em ascensão em todo o Brasil. Mudou meu estilo de vida”, conta ele, citando Belo Horizonte como um polo por suas mais de 40 equipes. “Em Juiz de Fora tem períodos com poucos adeptos e, em outros, chovem pessoas procurando o rolimã. É sazonal como o papagaio”, compara, na mesma nostalgia que o levou a unir madeiras e rolamentos para mostrar aos filhos o que o passado guarda de bom.