“Muita gente não acredita no mundo, sabe?!” Muita! Menos Yuri de Melo Costa, que em todos as horas, minutos e segundos de seus 19 anos, não deixou de acreditar. “O mundo pode ser diferente. E depende das pessoas. É preciso querer. Cada um, mesmo com um gesto pequeno, pode dar um passo para que tudo mude”, ensina o jovem que dos 6 aos 13 anos viveu na instituição Aldeias Infantis S.O.S. “Na época, minha mãe era viciada em drogas”, recorda-se ele, que vivia com a mulher e os irmãos no Bairro São Benedito. Com a doença da mãe, passou a morar com a avó. “Ela via que minha mãe não tinha mais condições de cuidar da gente e nos pegou para morar com ela. Mas ela acabou tendo um derrame cerebral e desde então não se recuperou. Hoje não anda, não fala e não nos reconhece”, conta. O Conselho Tutelar passou, então, a acompanhar o caso. Um irmão foi viver na Aldeia, a situação piorou, Yuri mudou-se para a casa de uma tia até que todos foram transferidos para a instituição. “Minha tia também não tinha condições de ficar com a gente”, diz o jovem, que viu o irmão mais novo, um bebê, seguir direto para a adoção. “Eu já frequentava a escola com a ajuda de algumas pessoas. Quando passei a morar na Aldeia, comecei a ter muita influência de uma mãe social, que me incentivava a estudar. Também era incentivado pela diretora do Emei (escola municipal no São Benedito), que sempre me ajudava. Até hoje tenho contato com ela, que dizia que quando eu estivesse no nono ano ela pagaria um curso para eu fazer a prova para o CTU. Ela pagou o curso. Passei e fiz o ensino médio no Instituto Federal Sudeste (antigo CTU), integrado com eletrotécnica. Essas duas mulheres foram fundamentais.”
Pelos que desistiram
A mãe social, morta dois anos antes de Yuri sair da instituição, não viu o menino tornar-se um homem dedicado, comprometido e respeitado. E cheio de sonhos. “Fui convidado por alguns alunos do Colégio Militar para fazer parte do projeto CID (criatividade, inovação e dinâmica). Atualmente ele tem cinco membros. Durante o ensino médio encontramos problemas, como os que levam alguns alunos a desistirem. Procuramos uma forma de tornar os estudos mais atrativos para os alunos. O ensino médio é um período difícil e, ao mesmo tempo, muito necessário, porque precisamos dele para continuar estudando ou para conseguir uma vaga no mercado de trabalho. Diante disso, começamos a pesquisar sobre a evasão escolar. Organizamos palestras acerca de saúde mental, divulgando oportunidades para os alunos do ensino médio e, no ano passado, fizemos uma palestra sobre a consciência negra”, conta o jovem, bolsista, ainda, do Núcleo de Estudos Afro-Brasileiros e Indígenas (Neabi) do IF Sudeste e presidente do grêmio da instituição. “Eu respondia pela parte do ensino médio, representando os alunos nos conselhos de campus e outras reuniões para decidir os rumos da escola. Eu era a ponte entre os alunos e a escola”, explica. Em dezembro, Yuri foi aprovado pelo programa Watson Institute’s Fall 2019 Semester Incubator, uma incubadora semestral para desenvolvimento de projetos sociais. Consigo leva o CID e as questões que o projeto lhe acendeu. “Resolvi escrever sobre evasão escolar, um problema que não afeta apenas o Brasil, mas a América-Latina como um todo. No Watson Institute, vou ter a oportunidade de desenvolver esse projeto e ter contato com pessoas que já tem projetos sociais na área de educação e de outras áreas. Eles vão me ajudar. Vou ter que assistir a quatro aulas obrigatórias, uma delas sobre empreendedorismo social, e no final do programa de quatro meses, com a ajuda do mentor, a pessoa que vai me acompanhar o tempo todo, vou apresentar esse projeto para a comunidade acadêmica do Watson e de Boulder, no Colorado. É como a apresentação de um TCC no Brasil. Depois de certificado, volto para o Brasil.”
Pelos que insistem
O plano era viajar em janeiro, mas todo o programa tem um custo de cerca de US$ 17 mil. Yuri ganhou três bolsas, que totalizam US$ 12,5 mil. O restante ele espera arrecadar num projeto de financiamento coletivo que inscreveu na internet (Clique aqui e acesse o projeto no Vakinha). Após transferir o início do programa para agosto deste ano, ele também começou a trabalhar como operador de telemarketing. O que ganha, porém, divide entre a viagem e as próprias despesas. Ao sair da Aldeias S.O.S., Yuri passou por uma família de padrinhos afetivos e, em seguida, foi adotado. Aos 18 anos, no entanto, foi morar sozinho, numa república em São Pedro. “Na Aldeia eu tinha acompanhamento psicológico, fiz natação, aula de música. A natação eu comecei fazendo no Marianinho, depois integrei o projeto Golfinho, dos Bombeiros, e então ganhei uma bolsa para nadar no Sport, onde fiquei por vários anos. Precisei parar para fazer o curso preparatório para o IF Sudeste”, conta ele, que articula as palavras com a simpatia que expressa no sorriso. “Sempre tive facilidade de aprendizado e sempre estudei em escolas públicas. No início no IF, tive dificuldade para me adaptar, porque me deparei com uma carga horária bem pesada, com 21 matérias no primeiro ano. Eu ficava das 7h até as 18h, dependendo do dia. O conteúdo era extenso e complicado e demandava maturidade para acompanhar. No primeiro ano, passei aperto, mas fui aprovado. No segundo ano, tive as mais difíceis matérias. Hoje estou no período de prática profissional. Preciso fazer o estágio para ter o diploma em mãos.”
Pelos que confiam
O que Yuri defende em seu projeto para o instituto norte-americano é reflexo da própria trajetória. Estudar liberta. “Espero absorver o máximo para que meu projeto tenha um impacto. Também quero criar uma rede de pessoas ligadas ao empreendedorismo social e à educação”, pontua Yuri, que para o futuro guarda o sonho do curso superior. A área, porém, ainda não definiu. Gosta de exatas, mas também se interessa por humanas e biológicas. Todas as manhãs, Yuri se dedica aos estudos. À tarde, trabalha. “Penso em aplicar para as universidades norte-americanas. Passei num programa de mentoria, o Brasa, que é uma Associação de Estudantes Brasileiros no Exterior, que todo ano abre um processo para que eles ajudem (financeiramente e didaticamente) da melhor forma possível quem deseja estudar nos Estados Unidos. Desde criança tive o sonho de estudar fora. Sempre tentei, desde o início do ensino médio”, conta, na certeza de que querer é o primeiro e mais importante para conseguir. “Sempre tentei, independentemente das adversidades que encontrei no caminho, manter o foco nos estudos. Eu sabia que o estudo seria a única forma que eu teria de mudar meu destino. Tive a oportunidade de estudar e aproveitei. Hoje olho e vejo o quanto eu já conquistei, com meu esforço e com a ajuda de muitas pessoas, que foram de extrema importância para mim”, diz o jovem, querido entre amigos e professores, integrante de muitas famílias, inclusive da sua de origem. “Eu me reaproximei da minha mãe há pouco tempo, há uns quatro anos”, conta. E os irmãos? “Na minha família somos dez ou 11 irmãos. Mas não tenho contato diário com eles. Tem uns irmãos que não conheço, porque nasceram quando eu estava na Aldeia, e eu não tinha contato com a minha mãe. Conheço dois irmãos mais velhos, com quem morei na Aldeia, e outros quatro que hoje moram com minha mãe”, conta Yuri, que aos 19 aprendeu a construir e reconstruir suas asas.