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Entre bulas e frascos, João conta vida no balcão de farmácia

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Indicado por médicos locais na aplicação de injeções, João, da Farmácia São Mateus, tornou-se popular entre diferentes gerações de juiz-foranos. (Fotos: Leonardo Costa)
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Lá em casa, João era sinônimo de cura. Minha avó me pegava pelo braço e seguíamos pela Rua São Mateus. Ao apontar na porta da farmácia, ouvíamos a pergunta: “O que o menino tem?”. João Francisquini de Assis acolhia a dor e o choro e quando cruzávamos a rua, dias depois, interessava-se em saber da melhora. De bisavós a bisnetos, o homem de 56 anos, que por muitos anos cultivou o bigode e hoje tem o rosto liso, acompanhou diferentes gerações no balcão da Farmácia São Mateus, da família Lawall. “Hoje passei a gerente”, conta. “Fico auxiliando, atendo balcão, ajudo nas compras e também fico no caixa”, acrescenta.

A pé ou de carro, todos os dias algum aceno se volta a João. “Tem gente que fala que eu tinha que ser candidato político. Todo mundo passa e me conhece”, comenta ele, famoso pelo conhecimento que adquiriu e pelo domínio da seringa. “Não tem segredo, é mais o capricho e a responsabilidade. Tem uma posição certa”, diz. “Aprendi na prática. Chegava um aqui, e me chamavam para aprender. Acabei ficando bom na agulha. Hoje já tem vários médicos da cidade, pediatras inclusive, que me indicam. Tem camarada que há 30 anos tomava injeção comigo e hoje traz o filho”, diz, recordando-se aos risos: “Já saí de casa de madrugada para aplicar injeção nos outros. Eu dava meu telefone e falava que se a pessoa não estivesse bem, poderia me ligar. Eu pegava a moto e ia. Já cheguei a dormir na casa de um cliente para fazer injeção na avó dele durante a madrugada. Dormi umas três noites na casa dele.”

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Estudos clínicos

A popularidade João construiu por mais de três décadas. Tinha 21 anos, idade em que se casou, quando foi empregado no lugar onde se mantém ainda hoje. E já tinha estrada, naquela altura. Um dos seis filhos de uma cozinheira e de um mestre de obras, o menino nascido no Dom Bosco precisou ajudar a casa. “Comecei a trabalhar aos 12 anos. Como eu era fortinho, fui ser cobrador de ônibus na Tusmil”, lembra ele, que dois anos depois foi contratado pela Drogaria Coração de Jesus, onde permaneceu por sete anos, conciliando, mais tarde com o serviço no exército. Já havia concluído o segundo grau, na Escola Estadual Dom Orione, quando pediu uma vaga no estabelecimento velho conhecido. “Desde pequenininho, eu vinha consultar com o senhor Lawall”, aponta, referindo-se ao fundador da casa que se tornou referência na Região Sul da cidade por um incomum acolhimento. “Naquela época, o Nilo (Lawall) já estava à frente da empresa e conversei com eles. Eu já tinha o costume de trabalhar direitinho, o pessoal gostava de mim, e eu tratava todo mundo bem. Vim para cá e fui ficando. Trabalhava das 7h30 às 22h. Hoje divido o horário, pego das 7h30 às 11h30 e volto às 16h, ficando até fechar. Naquela época também trabalhava aos domingos. Era de sol a sol. Tinha gente que me perguntava: ‘Não dorme, não?!’ Mas eu nem cansava.”

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Interação medicamentosa

Vinha gente de tudo quanto é lado, recorda-se João. “Muita gente vinha por conta do senhor Lawall. E como estávamos do lado dele, íamos aprendendo. A história teve prosseguimento. Temos fregueses até de Torreões. E sempre foi assim”, orgulha-se ele, testemunha de transformações que vão da estrutura das farmácias à relação com os clientes. “Antigamente existia a caderneta, mas hoje informatizou. Ainda existe o crediário, no computador”, pontua e olha para as prateleiras. “Hoje tem muito produto novo, variedade. Depois que quebraram as patentes, apareceram muitos laboratórios fabricando o mesmo produto, com uma variação de preço grande. Antigamente era só uma indústria, hoje são várias. E aumentou a concorrência. Um exemplo é o Viagra, que quando lançou custava R$ 50 cada comprimido. Hoje, o genérico custa R$ 7 a caixa com dois. Modernizou muito o setor. Todo mês tem lançamento, produtos para algumas doenças como o Mal de Parkinson, que tentam ajudar no tratamento. Também tem produto mais antigo que era bom, e, por problemas com a Anvisa, pararam de fabricar, e agora eles voltaram modernizados. Era comum ver, por exemplo, expectorante com antibiótico, e isso acabou por que não havia a necessidade.” Onipresente no bairro onde nunca morou, já que do natal Dom Bosco partiu para o Santa Cecília, João também viu, entre bulas e frascos, a cidade mudar sua forma. “Hoje ficou tumultuado o São Mateus. Cresceu demais. Quando comecei a trabalhar aqui, ainda tinha lote vago. Agora tem muito movimento nas ruas, muito trânsito.”

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Reações adversas

Há dois anos, João subia de moto a Rua Padre Café quando foi atingido por um veículo. Reconheceu o motorista. Era um freguês. O traumático acidente, que quebrou sua perna em três lugares distintos, rendeu-lhe um mês inteiro no hospital e outros dois de repouso em casa. “Quando me acidentei, o pessoal ficou doido. Todo mundo perguntava por mim. Até no Centro da cidade as pessoas ficaram sabendo”, ri. Foi o maior tempo que ele se distanciou do balcão da farmácia. “Não aguento ficar dentro de casa. Estou acostumado a trabalhar. E nesses dois anos, já fiquei 110 dias hospitalizado, tive osteomielite”, conta ele, mostrando o fixador externo que carrega na perna. Por isso, passou a restringir seus deslocamentos para aplicar injeções. João também acostumou-se a tomar com frequência o que sempre vendeu. “Antes do acidente, eu não tomava remédio, nem ficava doente. Agora tomo antibióticos, analgésicos. Não foi a idade que chegou, mas a necessidade”, assegura ele, pai de um casal de filhos, um deles também empregado numa farmácia, e avô de duas meninas, uma de 8 anos e outra de 1 ano e 7 meses. No mesmo endereço onde passou a maior parte de sua vida, João vê o tempo passar. E não pensa em mudança. Pretende seguir os exemplos dos patrões, diz o homem sinônimo de cura.

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