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Vendendo água e distribuindo sorrisos: Sônia, honestamente

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Sônia tem duas filhas, duas netas e uma história de trabalho que começou na roça de Tocantins, passou pelas fábricas de tecido e chega ao Parque Halfeld, onde é famosa. (Fotos: Olavo Prazeres)
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Às 7h30, desce do ônibus na Avenida Getúlio Vargas. Para isso, foi preciso que Sônia Rodrigues Amaro acordasse no escuro do dia no Bairro Araújo, Zona Norte da cidade. De café tomado, no Centro, segue para o estacionamento na Rua Fonseca Hermes onde guarda um carrinho semelhante aos que vendem picolé. Azul, o seu instrumento de trabalho é todo adesivado com gotas de água. Quando as lojas começam a abrir suas portas, a mulher de 64 anos compra balas, doces – paçocas, principalmente – e garrafas de água. Todo dia tudo de novo.

Numa camiseta com pequeninas flores azuis sobre um fundo branco, bermuda legging preta e tênis, Sônia chega ao Parque Hafeld por volta das 9h. “Paçoquinha, moço?! Água, meu amor?!”, oferece ela aos que passam e aos que encontra sentados pelo lugar. Dá voltas na praça e segue para o ponto de ônibus. Procura clientes numa andança sem fim. “Fico no Parque Halfeld e no ponto da Prefeitura. Ando de 7h30 até 18h. Quase 12 horas de serviço”, conta. “Tem dia que a gente cansa, porque o dinheiro é pouco”, lamenta ela, que sequer consegue fazer estoque de suas mercadorias. O dinheiro é curto. “O que faço aqui, reponho em mercadoria e levo o troco para casa.”

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O ofício de ambulante ela assumiu vendendo vales-transportes num tempo em que eram feitos em papel. “Dava um dinheiro bom. Fiquei 16 anos vendendo vale-transporte, no Calçadão, na esquina da galeria do Solar. Eu comprava ele por dez centavos a menos e vendia no valor. O lucro era melhor. Quando muito, com a água, no calor, consigo fazer mais de R$ 1.000 no mês”, diz ela, que contabiliza um acréscimo de R$ 600 mensais no salário mínimo que recebe como aposentada. “Já trabalhei muito na minha vida”, comenta a mulher, cuja peregrinação na rua, por longas horas, rende-lhe R$ 200 a menos do que o valor que ela encontrou num envelope no meio do parque.

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A rua: Parque Halfeld

“Levantei cedo para pegar minhas paçoquinhas e minhas balas. Às 9h, subi com a carrocinha de água. Ando isso tudo aqui. Eram 10h quando encontrei o envelope, com R$ 810, o telefone e o nome do homem. Fiz como meu pai me ensinou: não ficar com nada das pessoas. Se achou, qual é a sua obrigação? Se tem o nome e o telefone, você deve ligar e entregar. Do jeito que meu pai me ensinou, estou ensinando para as minhas filhas. Peguei o envelope, abri na lateral, vi o dinheiro e liguei para o rapaz. Ele disse que era dele, perguntou onde eu estava, e ele veio. Entreguei, e ele pediu para gravar um vídeo comigo. O olho dele até encheu d’água”, recorda-se Sônia, que na última semana ganhou fama após o vídeo da devolução do envelope viralizar nas redes sociais. A boa e gratuita propaganda rendeu-lhe mais garrafas vendidas. E o sorriso de muitos que aprovaram sua atitude. “Já achei um celular e entreguei na porta do Banco do Brasil, já recebi o pagamento de aposentada a mais e devolvi. O que não é meu, não é meu. A primeira coisa que uma pessoa tem que ser é honesta”, ensina.

A casa: Bairro Araújo

Levantar cedo sempre foi regra. Antes de ter a carrocinha, Sônia levantava-se cedo para seguir para a fábrica. Era costureira em malharia. “A Saturno foi meu primeiro emprego. Ali aprendi tudo. Comecei no arremate, fui para as máquinas e passei a gerente da fábrica. Fiquei lá por 25 anos. Depois fui trabalhar em outra malharia, na Rua Fonseca Hermes, e dali fui para outra fábrica, na Avenida Sete. Lá eu aposentei”, enumera ela, que sempre teve jornada dupla. “Trabalhava em malharia de dia e depois ia para o restaurante, o antigo Faisão Dourado. Eu ficava limpando, fazendo faxina”, lembra. Após a extinção dos vales-transportes de papel, Sônia passou a vender picolés, mas acabou abandonando-os por conta da sazonalidade e pela maior lucratividade das guloseimas e da água. “Hoje tem muita gente vendendo”, reclama. Ao redor da praça, conto quase uma dezena de ambulantes, a maioria ofertando água. O diferencial de Sônia, ela confirma, está no tratamento. Em meio a tantos tipos, ela faz reinar o afeto. “Todo mundo aqui gosta de mim”, orgulha-se, dizendo não se assustar mais com o local onde vê bêbados a cair no chão e brigas pipocarem num átimo de segundo. “Aqui dá de tudo, meu filho”, ri.

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O umbigo: Tocantins

Levantavam cedo, antes do sol raiar, Sônia e os 11 irmãos quando moravam na zona rural de Tocantins, município distante cerca de 100km de Juiz de Fora. “A vida lá era sofrida. Meu pai trabalhava na lavoura. A gente plantava milho, feijão, fumo, batata, tomate, capinava. Eu tinha que ajudar, candiava boi e tudo. Eu pegava um pauzinho, e meu pai ficava com o arado atrás, e eu puxava os bois na frente. A vida foi difícil”, traz à memória a mulher que abandonou as salas de aula ainda no 3º ano primário e, imersa em escassez, viu a esperança chegar na contratação de um dos irmãos numa indústria metalúrgica juiz-forana. “Por conta dele, o dono da metalúrgica buscou mais quatro irmãos, e eles trouxeram todos nós. Todo mundo teve que trabalhar”, recorda-se ela, à época com 23 anos. Nos primeiros dias, quando ainda procurava emprego, conheceu o homem com quem se casou e teve as filhas Sidineia, 36 anos, e Kely, 30, ambas professoras. “Formei as duas com o dinheiro da carrocinha”, orgulha-se. Acabou separando-se do marido corretor, mas continuou cuidando dele, até o fim da vida, no ano passado. “Fiquei viúva”, sorri Sônia, que hoje mora na casa que construiu ao lado do marido, no Bairro Araújo. O imóvel divide com as duas filhas, o genro e duas netas – Maria Eduarda, de 11 anos, e Maria Clara, de 2. Família que serve-lhe como motor para uma vida cujo maior sonho é ver a carrocinha reformada ou transformada numa loja. “Sonho em abrir uma lojinha.” Onde? “Aqui no Centro, para vender paçoca, bala, água, uma distribuidora”, responde, certa de que seguir é a única opção. “Se eu parar, adoeço.”

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