As flores venceram. Mesmo sujas pela fumaça dos carros, abaladas pelos ventos e pelos que insistem em pisar em canteiros, vingaram no canteiro entre a Avenida Itamar Franco e a Rua Espírito Santo. Sob os cuidados de Alexsandre Batista, que as rega e cuida, as flores estão a crescer. “Adoro mexer com planta. Assim que botei minha carrocinha aqui, vi o canteiro abandonado, com uma terra feia e mato crescendo. Sou o tipo de pessoa que toma atitude, que pega e faz. Fui juntando dinheiro, pedindo emprestado, capinei a terra, adubei, coloquei esterco, comprei as mudas e plantei. Botei umas plaquinhas, também”, conta o homem de 42 anos, que há seis meses tornou-se vizinho das plantas com sua carrocinha de pipoca.
A alguns metros dali, numa garagem, ele guarda seu principal instrumento de trabalho. “Tento chegar o mais cedo possível, mas como trabalho sozinho, sou eu quem compra os materiais e prepara tudo. Isso toma muito o meu tempo”, comenta ele, que chega por volta das 16h e logo liga o celular numa pequena vasilha plástica que faz as vezes de amplificador. Às 21h, retira o aparelho do pote e o desliga, concluindo mais um dia da Pipoca do Alex, nome inscrito na carrocinha e no uniforme composto por touca, camisa e avental.
“Gosto de fazer tudo arrumadinho”, diz o homem que a cada pipoca servida passa álcool em gel nas mãos. Serve o pacote e coloca mais um pouco na sacolinha. Depois fecha todas as aberturas da carrocinha e ajeita os potes. “Esse meu uniforme é inspirado no dono da Cacau Show. Admiro ele. Eu sempre li a história dele, como começou, como era a vida dele”, pontua o pipoqueiro que adesivou a carrocinha com o mesmo amarelo e vermelho que ostenta nas vestes.
Um silêncio e uma falta
“Fui criado em orfanato, no Instituto Jesus. Dos meus 2 anos até os 17. Quando nasci, era eu e uma irmã gêmea. Nascemos com uma doença chamada raquitismo. Naquela época, na década de 1970, só rico sobrevivia. Como nós erámos filhos de pessoas pobres, minha irmã chegou a falecer. Tinha acabado de nascer. Minha mãe também faleceu, no parto. Ela apanhava muito e numa dessas teve um traumatismo craniano e eu e minha irmã nascemos às pressas. A gente ainda não estava muito formado. Os médicos falaram para o meu tio que provavelmente eu só iria ter de dois a três meses de vida. Só um milagre me faria sobreviver. Graças a Deus estou aqui. Assim que cresci um pouco, uma tia me colocou nesse orfanato. Cheguei lá sem saber meu nome, andava rastejando, vivia sendo carregado. Um dia, uma senhora foi lá e se sensibilizou com a minha condição. Ela pegou, me levou, pagou meus tratamentos e fiquei na casa dela até os 5 anos, quando ela me devolveu para o orfanato. Eu já estava mais saudável e mais forte. Fiquei lá até os 17 anos. Não tinha ninguém para procurar. Eu era órfão. Nessa época a psicóloga correu atrás e descobriu o homem que tinha o nome registrado no meu documento e me entregaram para ele. Mas quando completei 18 anos ele me colocou na rua. Ele disse que não era meu pai e só tinha me registrado para eu conseguir um tratamento.
Um frio e uma força
A rua foi o destino de Alex. Na rua viveu até os 20, de calçada em calçada, de marquise em marquise, de canteiro em canteiro. “Dormia no Parque Halfeld, às vezes na galeria do Bar do Beco, sempre de cabeça erguida e sempre sozinho, como até hoje”, conta ele, que mesmo nessas condições fazia pequenos serviços, como passar roupas e lavar carros, até conseguir um emprego num lava-jato. Um dia, o dono do lugar descobriu que Alex dormia nas ruas e ofereceu o lava-jato para que ele pernoitasse. “Amo lavar carros. Não tenho a ambição de ter carro, gosto mesmo é de lavar”, garante ele, que passou de lavador a faxineiro num supermercado, onde conheceu um casal que muito o ajudou na caminhada. “Escolhi trabalhar na faxina porque também era uma coisa que eu fazia bem”, orgulha-se. Pouco tempo depois, Alex trocou suas poucas economias por uma sociedade num lava-jato. Trabalhava durante o dia, no local pequeno, onde cabia apenas um carro, e durante a noite via o lugar tornar-se seu quarto. No esforço de todo dia Alex passou a sofrer com fortes dores no nervo ciático. Por isso, há três anos comprou uma carrocinha de pipoca pela internet. Começou atuando em frente a Escola Normal, passou para a Praça da Estação, voltou para a instituição de ensino.
Um sonho e uma fé
Como dividia o tempo entre a pipoca e o lava-jato, voltou a sentir as fortes dores e precisou escolher. Era mais conhecido como lavador de carros. Era o que lhe dava prazer. E Alex decidiu-se por trabalhar com a água. O corpo cobrou. E não teve jeito. Há seis meses ele passou a estacionar sua carrocinha no canteiro onde revitalizou o jardim. Pouco a pouco a vida parece acalmar-se. Há cerca de seis anos, e após tentativas frustradas, ele conseguiu se estabelecer. “Moro em casa de família, na Vila Ozanan, na casa de uma senhora que me alugou um quarto”, conta. “Meu sonho é poder comprar uma casa para mim. Depois, mais para frente, arrumar uma companheira, casar, ter filhos, ter a família que não tive. E poder dar o melhor para os meus filhos, uma estrutura”, emociona-se, na consciência de que a ausência também ensina. “Quero ter meu cantinho”, reforça. “Onde eu possa fazer meu santuário, minhas orações, meus agradecimentos”, acrescenta ele, católico praticante na Paróquia Menino Jesus de Praga, no Poço Rico. Filho de uma sequência de sucessivos e dolorosos abandonos, ele não tem contato com os familiares, mas parece ter sido acolhido pelos muitos acenos e sorrisos que recebe na rua, atrás de sua carrocinha de pipoca. “Graças a Deus já fiz bastantes amizades aqui, conheci pessoas novas. Estou vencendo.”