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Roteirista da Turma da Mônica conta onde vivem os esboços

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Autor das divertidas historinhas envolvendo os personagens principais da Turma da Mônica, Edson também já criou diferentes tramas do mangá Chico Bento Moço. (Foto: Fernando Priamo)
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Os pequenos e coloridos quadros nascem numa folha branca que a mão direita de Edson Luis Cambraia Itaborahy vai, pouco a pouco, preenchendo com um lápis. “Escrevo o que penso de uma historinha. Primeiro surge o texto, os diálogos, as situações, estruturo as histórias e depois faço o desenho do layout. A gente tem que determinar o movimento dos personagens e as expressões. Então monto as narrativas e mando por e-mail. Faço os desenhos à mão, a diagramação, depois escaneio, monto as legendas no computador e envio”, explica ele, que ainda oferece especificações de cor e outras observações para o desenhista, que recebe o rascunho após a aprovação do roteiro. Em seguida, a história segue para o arte-finalista que faz o nanquim, depois para o colorista e, por fim, para o letrista. “Até bem pouco, a letra era feita à mão. Era um diferencial que o Mauricio gostava. Agora já estão fazendo no computador”, pontua o roteirista referindo-se a Mauricio de Sousa, autor das criaturas que há dez anos Edson ajuda a dar vida.

Marina, uma das filhas do cartunista de 83 anos é quem aprova as peças enviadas pelo juiz-forano. O pai continua a receber todas as cópias dos e-mails de Edson, mas não delibera sobre as revistas, atuando mais com palestras, presenças e debates. Quando entrou, era ao pai da Turma da Mônica que o roteirista enviava seus esboços, ora volumosos, ora mais escassos. “Às vezes faço histórias de quatro páginas, às vezes de 20 ou de 30. Já fiz Mônica Jovem, com 120 páginas”, conta ele, freelancer na editora com sede em São Paulo, para onde encaminha uma média de quatro histórias curtas por semana, ou quatro histórias longas (que abrem as revistas) por mês. “Trabalho em casa, não tenho cobranças toda hora, determino meu tempo. Para mim funciona bem, porque tento ser disciplinado”, diz o artista, que tem feito os personagens principais da trupe, Mônica, Cebolinha, Magali, Cascão e seu preferido, o Chico Bento. “Ele é simples. Acho legal a inocência dele. Ele é preguiçoso, é mau aluno, e as pessoas gostam dele mesmo assim.”

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Edson também fez a revista especial Neymar Jr., inteira sobre futebol, e por dois anos produziu os mangás com as histórias da Turma da Mônica Jovem voltada para adolescentes. Muitas das revistas de Chico Bento Moço levam sua assinatura. “É um público diferente. Dá para desenvolver um pouco mais alguns assuntos sérios. A diferença é que o público dessas revistas interage muito. Eles mandam mensagens perguntando o que vai acontecer, o porquê fizemos algo. Eles procuram a gente no Facebook, enviam e-mail, pedem para mandarmos desenhos. É mais complicado também porque exige muita pesquisa, de referência histórica e de desenho”, comenta o roteirista de 53 anos, que se formou em artes pela UFJF e logo em seguida passou num concurso do Banco do Brasil, onde trabalhou de 1987 a 1997 como caixa, entre cheques, moedas, notas e muitos cálculos.

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“A sociedade mudou e, realmente, tinha que mudar. Muitas piadas que já usei, principalmente quando entrei, não têm mais graça. Nesse últimos anos, as coisas mudaram muito”, comenta Edson Itaborahy.(Foto: Fernando Priamo)

Mônica em: Uma nova era

“Fui trabalhar no interior, no Sul de Minas (Cruzília), e na época não tinha internet. Esse negócio de trabalhar de casa para a empresa hoje é possível, mas, antes, não era. Trabalhava no banco e, mesmo que o tempo permitisse, não conseguia fazer mais nada. Eu continuava desenhando, esperando uma hora surgir a oportunidade”, conta. A ocasião chegou quando em 1996 o banco criou um plano de demissão voluntária. “Não era uma coisa que me satisfazia, era (um ofício) mecânico, que não tinha meu perfil. Nunca tinha pensado que existia vida fora do banco. A gente entra no serviço público e pensa que vai se aposentar lá. Eu não estava na lista dos ‘demissionáveis’, mas pedi que me incluíssem”, lembra. Com o acerto, Edson montou uma gráfica. Depois teve um restaurante. Voltou para Juiz de Fora e abriu uma locadora de vídeos. Todo o tempo ilustrando. Até que enviou uma proposta para a Mauricio de Sousa Produções. Naquele momento, havia uma vaga. “Gostaram de algumas coisas e não de outras. A gente lê uma historinha da Turma da Mônica e acha que é fácil, mas não dá para fazer o que já está feito. Tem que oferecer algo a mais, diferente. E eu pensava em como escrever histórias de crianças depois de velho. Então, comecei a lembrar do meu tempo de criança, com o que eu brincava. Funcionou por um tempo, mas hoje o que a gente escrevia já não serve. Eu era criança na década de 1970, e os meninos brincavam de carrinho, e as meninas, de boneca. Hoje já não é assim. Nem podemos fazer histórias assim mais, porque não existe brincadeira de menino ou de menina. A sociedade mudou e, realmente, tinha que mudar. Muitas piadas que já usei, principalmente quando entrei, não têm mais graça. Nesse últimos anos, as coisas mudaram muito. Criança brincar de namoradinho já não é mais aceito, o estúdio não aceita, porque crianças não namoram, e os personagens têm 7 anos. Muita coisa teve que se adaptar. As histórias, além de serem engraçadas, têm que ter uma mensagem positiva, passar um bom exemplo. Vai ficando mais difícil de fazer, mas melhor.”

 

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Cebolinha em: Uma infância desenhando

A família era grande, eram cinco, os irmãos, filhos de um bancário e de uma dona de casa. Ainda que cheio o lar, no Bairro Bom Pastor, Edson convivia com o silêncio. “Eu ficava muito sozinho em casa, num canto, desenhando. Acho que é bem mais fácil se formar artista quando há uma geração anterior, porque a criança se desenvolve a partir dali. Por isso, não me considero artista. Não tenho esse desprendimento”, diz o homem que estudou nos colégios Santos Anjos, Stella Matutina e, por fim, no Magister. O tempo todo desenhando. E lendo Turma da Mônica e tantas outras histórias, como as do Tintim, que lhe faziam sonhar em desenhar como o criador Hergé. Aos 17, Edson participou de um concurso de tirinhas do jornal “O Globo” e saiu premiado. Sonhou, então, em colaborar com grandes veículos de imprensa. Na memória preserva um momento prolífico, de revistas com tiragens na casa dos milhões. Passado, infelizmente. “Como existe muito conteúdo livre na internet, as pessoas não querem pagar para ler. As crianças estão crescendo com a noção de que para o que está na internet não é preciso pagar, não há direito autoral. As pessoas compartilham e replicam alguns trabalhos como se fosse de uso público. Deveria haver um controle maior sobre isso, porque inviabiliza algumas produções”, comenta, citando como exemplo o desafio das produções autorais. Ao longo da carreira, Edson já publicou dois títulos: “Borba Gato e o Ouro do Rio das Velhas”, de 2007, e “A conferência dos bichos”, de 2001, em coautoria com Deize Gonçalves Maciel. Não lhe sobra tempo para outras empreitadas, sequer para o desejo de criar um curso para crianças carentes, ensinando a arte dos quadrinhos. Atualmente ele se divide entre os quadrinhos da turma mais famosa do Brasil e o Estação Lunar Studio, que montou com as duas filhas, a publicitária Paula, de 25 anos, e a designer de animação Júlia, de 21. Na sala ao lado da delas, numa casa em São Mateus, Edson desenha, com riqueza de detalhes, e a caçula anima em vídeos curtos, num trabalho delicado e minucioso.

Edson com as filhas Júlia, designer de animação, e Paula, publicitária. O trio montou, este ano, o estúdio Estação Lunar, que atua com animações. (Foto: Fernando Priamo)

Magali em: Um coqueiro mágico

“Às vezes, as pessoas me perguntam se eu fico esperando ter uma inspiração, mas isso não existe. Pego ideias de muitas coisas. E uma ideia original é muito difícil. Às vezes, estou passando na rua e vejo um a situação que dá para adaptar, ou vejo um filme, ou um desenho, não que eu vá copiar aquilo, mas me dá uma ideia para novas situações. Às vezes, quando estou muito sem ideia, começo a escrever sem rumo e depois vou lapidando. O ideal é ter começo, meio e fim na cabeça, para ficar mais fácil de desenvolver. Muitas vezes, anoto uma piada que penso para incluir numa história, para enriquecer a narrativa. Tem muitos assuntos que a gente evita abordar, por ser uma revista infantil”, pontua. “Evitamos falar de violência, sexo, jogos de azar, política, mas não posso dizer que as coisas não me afetam. Qualquer coisa que a gente vá escrever passa por aquilo que pensamos ou que sentimos na hora. Se não está feliz na hora de escrever, não tem como fazer uma história alegre. Procuro passar, dentro do possível, o que considero ser certo ou errado, as coisas que sei de filosofia e o que acho que pode orientar a criança. Mas não posso aprofundar muito, para não ficar chato, nem a ponto de alguém reclamar achando que estou induzindo um pensamento. O mais difícil que acho hoje, de escrever e de fazer graça, é a vigilância, que acho que até deve existir. Mas nos dias de hoje todo mundo acha que pode palpitar sobre tudo. Não é porque você tem o poder de comentar sobre o assunto que você tem a capacidade de comentar. As pessoas acham que têm que comentar sobre tudo, mas a gente não entende sobre tudo. Tem muito assunto do qual você deve ser apenas ouvinte ou leitor”, aponta, recordando-se da polêmica gerada acerca de uma história de Natal que escreveu no ano passado, na qual Cebolinha queria ganhar uma boneca para dar a irmã. Na rede, a narrativa viralizou pela metade, apenas com o fato de que Cebolinha queria dar uma boneca, como se a trama propusesse o debate acerca da ideologia de gênero. Edson não se afetou. Mas se assustou com o ruidoso movimento das redes. “Recebo mais comentários positivos que negativos. O pior é passar em branco e ninguém comentar nada”, diz, afirmando ter certa liberdade crítica.”

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Chico Bento em: Um sanfonaço valvulado

Com toda a liberdade, garante, o roteirista cria sobre o que já foi criado. Todos os personagens são baseados em pessoas conhecidas de Mauricio de Sousa. “Eles não podem fazer coisa errada, têm que dar bom exemplo. Quando o personagem pode fazer coisa errada, mesmo que se arrependa depois, fica mais fácil desenvolver uma história, porque existe uma reviravolta. Sempre dar o bom exemplo é difícil”, comenta Edson, dono de um humor fino e de uma sagacidade tal qual a de seu preferido Chico Bento. Edson também preserva alguma timidez. “Não me considero uma pessoa engraçada. E quase nunca rio de uma piada. Acho tudo sem graça. Mas, entre amigos, falo muita besteira. Tenho o hábito de aproveitar muita coisa nas histórias. Tenho que anotar, senão não lembro. Anoto no celular, às vezes, depois de uns dias, não sei o que queria com aquilo”, diz ele, que ao ver o Bloco Parangolé Valvulado inspirou-se para escrever “O sanfonaço valvulado”, uma tentativa de Chico Bento conquistar a Rosinha tocando uma sanfona conectada a um amplificador. No ano passado, o roteirista ouviu uma história sobre a existência de um coqueiro que realiza desejos, e a árvore estampou a capa de agosto de 2018 da revista da Magali. “Muita gente me pergunta como faz para escrever para a Turma da Mônica. Respondo que tem que ler e pensar num personagem com quem tenha mais afinidade. E não dá para fazer o que já foi feito. Tem que ter um algo mais. Com os avanços da comunicação, nos mantemos ocupados o dia todo. Temos que disciplinar nosso tempo para ler mais”, defende o roteirista, na frente de uma estante cheia de suas referências, como os gêmeos paulistas Fábio Moon e Gabriel Bá, o premiado Roger Cruz, o sensível “Três sombras”, de Carol Bensimon e Cyril Pedrosa, e o lendário Wil Eisner com seu “Avenida Dropsie”, além, é claro, do humor preciso de Verissimo. Valeu a pena ter saído do banco, Edson? “A gente não está aqui só para viver e ter segurança. Tem que se realizar. Me arrependo, talvez, de ter entrado no banco”, ri para em seguida refletir: “Ninguém foge do que é, sempre acaba voltando.”

Edson mostra um esboço que faz das histórias em quadrinhos. O roteirista desenha expressões e movimentos dos famosos personagens. (Foto: Fernando Priamo)
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