Além Paraíba tinha um cinema nos anos 1990. Na década seguinte, a única sala permaneceu fechada por oito anos e reabriu para os anos 2010. Novamente voltou a cerrar as portas em 2015 e regressou no ano passado. No presente segue aberta. Mas agora, justo agora, Mateus já partiu e segue ocupando outras salas, na vizinha Juiz de Fora. “Não tive o hábito. Além Paraíba é muito instável em relação a cinema, tem épocas que as salas existem, em outras, não. Na minha adolescência, por exemplo, não existia. Ao chegar a Juiz de Fora, comecei a ir muito, todas as segundas e terças, quando havia promoções. Assistia a uma média de três filmes por semana”, conta o jovem de 25 anos, aluno do Instituto de Artes e Design da UFJF desde os anos 2010, quando ingressou no bacharelado interdisciplinar com o intuito de seguir pelo caminho das artes gráficas. Tinha 17 anos e uma oferta de 14 salas para a sétima arte. “Consumia cinema de uma forma diferente. Não era um hobby simples. Eu ia religiosamente e assistia a todas as produções que entravam em cartaz.”
O rapaz, de sobrenome Guimarães Borges, filho de um pedreiro e uma professora aposentada, que se mudou de cidade para dividir a casa com o único irmão, dois anos mais velho, via na tela grande o que se tornava tema de estudo. “As aulas complementavam o que eu assistia, chamando minha atenção para bastidores, técnica e direção. Aquilo começou a me despertar um olhar, mesmo que leigo, de espectador, sem qualquer interesse profissional. Até que fiz uma disciplina e, no final, tive que fazer um curta-metragem. Essa foi a minha primeira experiência aprofundada no ato de fazer cinema, mais do que ler. Nisso percebi que gostava, mas não entendia, então decidi fazer uma maratona e assistir a 365 filmes em 2012, ao longo do ano”, recorda-se ele, que também se propôs a escrever sobre todos os títulos vistos. “A maratona auxiliava no gargalo de conhecimento. Tanto que busquei ver filmes de todos os países, vários gêneros e diretores.”
Happy feet
O primeiro filme, conta, foi “Happy feet”, uma animação protagonizada por pinguins. Era dia 1º de janeiro de 2012. “Não tinha a obrigação de ser um filme por dia, para não ser mecânico. Havia semanas que não via nada e fins de semana que assistia a quatro filmes seguidos. Foi natural, não tinha a pretensão de criar um projeto. Do meio para frente, percebi que meu interesse era mais que um hobby”, lembra ele, que assistidas as 365 produções, no dia 31 de dezembro daquele ano, impôs-lhe um novo desafio. Em 2013 Mateus saiu do Brasil para fazer intercâmbio. Era preciso escolher entre cinema e design. Optou por estudar a sétima arte na Universidade da Beira Interior, em Covilhã, região central de Portugal. “Nunca tive renda suficiente para isso”, diz ele, que conquistou uma bolsa para a temporada, o que se tornou o ponto alto do filme de sua vida. “Durante a viagem, tive a oportunidade de conhecer 19 países. Agora fui para o Chile, o 20º. No intercâmbio descobri a paixão por viajar. Tenho o perfil de ser explorador, ser curioso e interessado em culturas diferentes. Para quem faz cinema, a experiência se faz ainda mais rica, porque cinema é história, e para contar histórias é preciso ter uma bagagem cultural e visual muito grande”, comenta. Ao retornar, o jovem de cabelos cacheados juntou-se a outros cinco amigos, e deram início à formatação de um portal com uma loja virtual. “De lá para cá, o projeto cresceu e começou a se autossustentar, com redes sociais, rotina e corpo de empresa.” Em 2015, o “365 filmes” entrou no ar, e, no ano seguinte, Mateus viu a saída dos cinco sócios para a entrada da estudante de jornalismo Bruna Luz. Das camisetas com temas cinematográficos, ampliou para bolsas, ecobags, almofadas, cadernos de anotação e quadros, tudo comercializado pela rede, por um café local e também em feiras na cidade. Mas “consumir cinema não é só ver filmes”, adverte ele. “É também ler sobre.” Por isso a potência informativa do blog e redes sociais, com ênfase da página no Facebook, com cerca de meio milhão de seguidores. De olho nesse público, o ator e cineasta Selton Mello fez um vídeo exclusivo para divulgar, no 365, seu novo longa, “O filme da minha vida”.
Deus e o diabo
O último filme, conta, foi “Deus e o diabo na terra do sol”, clássico do Cinema Novo de Glauber Rocha. “Se pegar a linha do tempo, você consegue ver uma evolução, não em termos de cinema maior ou menor, mas em termos de complexidade. No início da maratona, eu assistia a filmes aleatórios e, depois, naturalmente, fui me aprofundando. Se hoje o 365 Filmes tem uma relação horizontal com o público é porque eu cresci com eles, e eles cresceram comigo. Não cheguei como o formador de opinião, o ser superior, que fala e não escuta. Aprendi com os leitores”, reflete o jovem, prestes a se formar em cinema. “Antes de falar que era fã de um Woody Allen da vida, senti que precisava saber se não existia alguém igual ou melhor. Ele mesmo foi um diretor com o qual me identifiquei muito, porque ele faz um cinema conciliando entretenimento e reflexão. A sessão não acaba com o filme. Vários blockbusters, como ‘Batman’ e ‘Cisne negro’, me impactaram e me provocaram a buscar mais. Independentemente do mérito de ser bom ou ruim, é válido o filme provocar a buscar mais. Fellini também é uma referência inicial, um cinema diferente, que me fez ver outras formas de fazer, com histórias cotidianas que tomam uma proporção reflexiva”, aponta o estudante que, sem sair de casa, lida com as problemáticas entre entretenimento e reflexão. “A gente faz o que gosta. Não tenho perfil de empresário. Retirada nunca fiz. Salário não tenho. O 365 Filmes não começou como negócio. Enxergo como um grande projeto de vida. Se ganhar dinheiro fosse meu objetivo, eu já teria largado há muito tempo. O dinheiro entra, lógico, mas estamos engatinhando. Apesar de ter dois anos, todo o processo é lento e complexo. Todo dinheiro que entra a gente investe. Hoje escolhemos e necessitamos fazer isso, até que a entrada dê conta de investir na própria empresa e pagar os dois sócios”, conta ele, pontuando preferir renovar estampas, produtos e dar conta da própria empresa a satisfazer desejos pessoais. “Isso não é poético, mas reflete nosso pouco conhecimento logístico e empresarial”, ri. Sua ambição, além de ter tempo para assistir a mais filmes, é ter a maior loja com produtos de cinema do Brasil. “Não acordo pensando nisso, não é uma fixação. É natural em mim.” Como um filme bom.