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Do pão à cerveja: Rita e seu Bar du Léo

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Rita: “Essa aqui é a minha profissão. Tenho o dom de atender, lidar com as pessoas, vender, cobrar. Acostumei desde pequena e gosto. Peguei uma geração em que os pais vinham com as crianças. Essas crianças já cresceram e hoje vêm com os filhos” (Foto: Marcelo Ribeiro)
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A bicicleta antiga tinha um balaio bem grande na frente, lotado de pães quentes. Avelino e Lecy carregavam também o leite, que os filhos ajudavam a distribuir, aos risos, pelas ruas dos bairros Santa Helena e Jardim Glória. Olha o pão! O sol brotava, os passos se aceleravam pelos morros. “A gente ia correndo atrás, um embrulhando o pão e os outros entregando. Lembro que a gente pulava muito de casa em casa para adiantar o percurso e, um dia, quando eu fui jogar o pão, tinha um homem deitado na varanda. Levei um susto danado, achando que era ladrão. Mas era um morador da casa, que tinha chegado tarde e não quis chamar a família”, lembra Rita de Cássia Vicente, cujo Chandretti da mãe foi omitido dos registros oficiais.

A família que morava na Rua da Laguna, fechou o botequim Xuá do Bairro, na Rua Olímpio Reis, para apostar na multiplicação que os pães poderiam oferecer-lhes. “Quando o negócio veio para cá era para distribuir pão da padaria Excelsior, na Avenida Rio Branco. Na época, era forte distribuir pão e leite nas casas. Primeiro foi na bicicleta, depois numa Kombi velha”, recorda-se a mulher de 55 anos, um a menos que o empreendimento da família, no número 72 da Rua Uruguaiana, cujo letreiro anuncia: “Bar du Léo”. “Meu pai era Avelino, não era Léo. Sempre teve o apelido. Nem conhecemos ele como Avelino. Se perguntasse o nome do pai, a gente falava Léo.”

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Ao pão e leite, Léo e Lecy acrescentaram as latarias. “Tudo que colocava para vender dava certo. Meu pai vendia fiado – ainda tem até hoje -, e muita gente vinha fazer compra do mês. Aí, então, vendia frutas, legumes, tudo de mercearia. Mas a vida foi mudando, a freguesia foi mudando, e passou a ser mais forte o bar. Ainda temos muita coisa de mercearia. Vendemos pregador de roupa, café, açúcar, vodka, material de limpeza”, conta a mulher, responsável não apenas pela compra e precificação de cada item, mas pela gestão de todo o lugar.

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“Viemos de uma vida bem difícil. Imagina: eram seis filhos! A gente usava sapato um do outro. Dormiam dois numa mesma cama, e era uma televisão para todo mundo. Hoje a gente tem uma vida muito boa. Temos freguesia boa, e eu e meus irmãos temos tudo do bom e do melhor. Ficar rico não dá, por causa do tipo de trabalho. Se começa a chover, acaba a festa. Teve ano em que passamos cinco meses com chuva, e foi bastante difícil”, comenta Rita, sentada numa das mesas que compõem a paisagem da Praça Armando Toschi (Ministrinho), no Jardim Glória.

Brinde à família: Rita (ao centro) toca o bar ao lado da irmã Adriana, que fica no caixa, e da mãe Lecy, que aos 81 pilota o fogão (Foto: Marcelo Ribeiro)

Receitas do Avelino cozinheiro

Léo gostava de beber, e convidava os amigos, que da mercearia transbordaram para a praça. “Pouco a pouco, meus pais começaram a fazer tira-gosto, comprar mesinha. As medidas são dele. Em casa, meu pai sempre fez o almoço para a gente”, conta a mulher que, quando menina, estudou numa escolinha localizada justamente onde hoje fica a expansão do bar. Mais tarde passou para o Colégio João XXIII, de onde saía para ajudar no bar. “Nasci no Jardim Glória, morei muito tempo no Bairro Santos Dumont, e há três anos voltamos, para morar em cima do bar. Quando eu comprei, muita gente falou que eu era doida de ficar tão perto do serviço. Mas foi para facilitar. Eu já trabalho muito também, então, não atrapalhou em nada”, diz a irmã de Márcio, que antes das 6h chega ao bar para picar as carnes e iniciar os trabalhos para os salgados. Pouco depois das 6h, descem Rita e a mãe, aos 81 anos, cheia de vitalidade para, por muitas vezes, ficar até o cerrar das portas, às 22h. Adriana, outra irmã, trabalha no caixa, como o pai preferia. Regina ajuda aos finais de semana. Marcos é comerciante e acompanha de longe, ajudando quando requisitado, como Lucy. Jéssica, filha de Márcio, graduada em ciências sociais e mestranda na área, também ajuda quando é preciso. O sobrinho, Adolfo, filho de Regina, formado em engenharia de produção, tenta concurso e sempre auxilia Rita. “Ele tem o mesmo expediente que eu”, elogia a tia, que, há sete anos, quando foi diagnosticada com síndrome de Guillain-Barré, não apenas precisou dividir tarefas como se afastar do negócio por dois anos. Desde então, Rita viaja para afastar o cansaço, levando a mãe e o marido Nonô, com quem está há 22 anos, oito a menos que a graduação em Letras. “Nunca exerci. Essa aqui é a minha profissão. Tenho o dom de atender, lidar com as pessoas, vender, cobrar. Acostumei desde pequena e gosto. Peguei uma geração em que os pais vinham com as crianças. Essas crianças já cresceram e hoje vêm com os filhos”, orgulha-se ela, que com o passar do tempo também viveu a despedida do pai, há uma década, vitimado por problemas cardíacos aos 76 anos.

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Neta e filha de comerciantes, Rita viveu toda a vida no bar que leva o apelido do pai Avelino: “Se perguntasse o nome do pai, a gente falava Léo.” (Foto: Marcelo Ribeiro)

Almoço de família no trabalho

O pai de Léo, avô de Rita, também “mexia com comércio, tinha carrinho de laranja na feira”. Vender, então, sempre foi coisa de casa. “Não tem nada disso de almoço de família. Tudo é no bar. Os fregueses acabam sendo os amigos. Tem aqueles de todo dia, que se ficar doente manda avisar e eu vou visitar”, conta Rita, envolvida com o negócio e com o arredor. “A gente cuida da praça também, porque a gente usa. Tudo o que precisa de benfeitoria, assumo. Outro dia mesmo, umas crianças começaram a brincar com os pisos, e, quando fomos ver, faltavam 20 deles. Não sabia se alguém tinha levado. Então compramos nós mesmos. Acaba que a praça está sempre organizada”, sorri, com olhos brilhando para o lugar que recebe as suas mesas, as de outros bares e, ainda, a reza do terço, todas as quartas, e a missa na primeira sexta de cada mês. Há oito meses, o espaço também é casa de uma simpática galinha-d’angola. “Ela fica aqui e não quer ir embora. Dá 17h30, ela sobe na árvore e não desce mais. No outro dia, 6h da manhã, ela já desce para pedir comida. Tem os macacos também, que peço para não darem comida. Tem banana à vontade lá dentro, para todo mundo dar na árvore, e eles não subirem na mesa”, comenta ela, que gosta de uma cervejinha e entende quando o desejo do cliente é permanecer na praça. Mas a saideira é intransigente. “Se a gente continuar, não fecha, porque é agradável ficar aqui.”

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