“O Fla-Flu começou quarenta minutos antes do nada.” Cravada com ferro em brasa no imaginário nacional, a frase do multitarefas Nelson Rodrigues sintetiza um dos mais charmosos clássicos do futebol. Contudo, por mais que o talento rodriguiano coloque o duelo acima do bem ou do mal, sequer Nelson seria capaz de prever uma partida com a presença de apenas uma das duas torcidas. O despropósito se dará domingo, no Engenhão, quando apenas tricolores acompanharão a final da Taça Guanabara. Despropósito este que escancara que nossas arquibancadas perderam o charme; nossa sociedade, a humanidade; e nossas autoridades, a capacidade de garantir segurança. Óbvio ululante e triste.
A proibição do clássico com duas torcidas se deu por interferência judicial. A solução pela restrição ao livre acesso expõe ainda mais a fragilidade de nosso sistema em combater meia dúzia de raivosos. Eles parecem vencer uma guerra invisível, diante da ingerência do Poder Público. Há tempos, o medo é sentimento recorrente para os torcedores de fato que ainda frequentam os grandes jogos. Há tempos, as autoridades vêm dando mostras de sua incapacidade em controlar os mais violentos. Em detrimento ao direito de ir e vir, a proibição ressurge como solução simples. Na prática, no entanto, não passa de sujeira jogada para baixo do tapete.
Parafraseando Nelson Rodrigues: a idiotia, a violência e a intolerância começaram quarenta minutos antes do nada. Até hoje, porém, não parecemos capazes de lidar de forma efetiva com tais problemas.