“Deu tudo errado”, ouvi de uma amiga outro dia sobre os planos, os dela, os meus de viajar e encontrar a família em outros países nesta época de final de ano.
Eu raramente vou ao Brasil no Natal e Ano Novo. Não por desinteresse, de jeito nenhum. Mas as companhias aéreas resolvem aumentar os preços das tarifas de forma proibitiva, destruindo qualquer possibilidade ainda antes de ela, de fato, existir.
Agosto é o nosso momento de ir ao Brasil. São férias escolares aqui, “inverno” no Brasil. As passagens são caras, mas menos que no Natal. Fico imaginando uma mesa oval e sentadas em volta dela pessoas muito más que aproveitam a emoção do fim de ano banhada à urgência de abraços de todo mundo que tem uma família que vive em outro país. As pessoas muito más vão lá e decidem tirar o couro dos mortais que têm saudades e permutam praticamente o pagamento do valor de um resgate em troca desse reencontro de fim de ano.
Mas aconteceu outro dia uma reivindicação aqui em casa que me fez repensar essas datas e talvez me dê a possibilidade de vencer essas pessoas más e oportunistas, sanguessugas do dinheiro alheio. Minha filha faz aniversário dentro da mais profunda escuridão de janeiro. Se você não está familiarizado, janeiro aqui é osso. A partir de outubro, quando mudam os relógios e passamos a atravessar o horário de inverno, é raro que ainda se veja claridade às três da tarde. Andar no escuro é a norma. E assim caminhamos mês a mês até o Natal. Mas até o Natal existe essa fuga do escuro através das decorações, as árvores, as inúmeras luzinhas, a lareira que começa a ser usada, a casa que vai mudando de luz e fica aconchegante. Mas janeiro passa a ser aquele momento em que a novidade da escuridão já se foi, as luzinhas de Natal começam a ser guardadas no sótão de novo, o espaço vazio da árvore na sala está oco, não há mais planos de presentes, está todo mundo duro, querendo uma saúde melhor devido aos excessos e, claro, o escuro segue de mãos dadas com o frio, a chuva. Diante dessa realidade, minha filha veio me pedir para comemorar o aniversário em julho, no verão. Achei estranho e disse que aquilo não é certo, ainda mais que o irmão dela faz aniversário no mesmo mês. Astrologicamente falando, são opostos e não é certo uma capricorniana celebrar aniversário em julho, território dos cancerianos. Mas ela argumenta que não se esquece do aniversário de 6 anos, passado em Ubatuba, dentro de um calor tropical dos mais delirantes, numa piscina, no mar, com os parabéns às pressas porque o chocolate derretia. Comecei a achar que ela tem razão e que o calendário é uma maneira de nos escravizar, já que o cumprimos sem pestanejar ano vem, ano vai. Este foi um ano cheio de encontros desmarcados. O aniversário de 80 anos do meu pai aconteceu, eu não estive lá. Mas quem sabe no de 81 estarei? A alegria de um reencontro não tem correspondência a números e datas. Um reencontro é inteiro quando quer que seja possível, em qualquer época do ano, na data que mais nos convier.
Você, por exemplo, que me lê, passa os olhos neste texto, respira fundo o ar do seu domingo, acordou de um sono que eu espero tenha sido bom. Você, por exemplo, sobreviveu ao ano de 2020. Talvez tenha perdido amigos, parentes, pessoas queridas. É difícil que algum de nós tenha passado ileso ao vírus e ao desgoverno brasileiro, e eu sinto muito mesmo, lamento profundamente esse descaso, esse destino. Eu também perdi pessoas que admirava. Mas você está vivo hoje. Toque seu braço, sorria, olhe o céu. Você está aqui e eu espero que o seu Natal com a família que estiver por perto seja bom, não importa em que dia caia: dia 25 deste ano ou do ano que vem. Minha amiga estava errada: deu tudo certo.
Feliz Natal. Cuide de você, de quem você ama e de quem você não conhece.