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Será que ela volta?

nara vidal
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Quando ela começou a sair com o rapaz, como sempre fazia, logo se apaixonou. Não tinha muito preparo, cuidado. Se ela beijava, se apaixonava. Também nunca entendeu bem essa reserva. Como as pessoas podem se apaixonar aos poucos, lentamente, de forma cuidadosa? Não faz sentido algum uma paixão em conta-gotas. Aliás, a paixão, como doença, como estado patológico tem a imprevisibilidade do impacto, de tomar posse de um corpo numa quinta-feira, dia inútil, e encontrar uma lacuna que vai se preencher com toda aquela velha febre nova. Assim, de uma vez e sem qualquer cerimônia.
Como tinha pré-disposição para se apaixonar, era fácil entrar nos pensamentos dela. Basicamente, como matéria-prima, uma garrafa de vinho e conversa de horas. Mas, horas mesmo. Não falamos aqui de uma conversa de duas horas. Falamos de conversa de cinco, seis horas seguidas.
Não demorou, ela passou a frequentar a casa dele. Na hora de ir embora, pensava no que aprendeu com a avó e a mãe que, supersticiosas, avisavam que, caso quisesse voltar àquela casa, não abrisse a porta. A maçaneta devia ser girada pelo dono da casa. Assim, ela com os pés plantados de esperança em revê-lo, abria um sorriso e esperava que ele a deixasse sair.
Foram muitos encontros assim. Até mesmo quando ela passou a dormir na casa dele, de manhã, quando ia embora, esperava que a porta fosse aberta para ela.
Um dia, recebeu da boca dele as piores notícias. Ele tinha se encontrado com outra mulher. Aquela paixão se recolheu e deu lugar à raiva porque estava tudo tão bom antes. Sentiu até dor nos olhos, um choro engasgado, os poros do rosto se arrepiarem em alternância quente e fria. Ficou imóvel tentando ouvir o eco daquelas palavras. Uma outra que nem ela, ali mesmo, naquela casa. Uma mulher que passou pela mesma porta que ela, que plantou os pés no mesmo chão, viu a mesma estante de livros, fez a mesma reclamação da falta de espelho no banheiro, esteve sob o mesmo chuveiro. Olhos em dor, poros arrepiados, corpo quente e frio.
Ela precisava pensar naquilo. E se não fosse tão ruim assim? E se, em vez de se sentir usada como aprendeu desde mocinha, ela quisesse continuar usando aquele homem em benefício próprio? Mas e tudo isso que ela sentia e que engolia o seu bem-viver, massacrava o sorriso que carrega até quando séria? Mas e o que ela sentia quando estavam juntos e era tão bom e que ela não queria deixar de ter? Precisava pensar. Mas não dava para se escutar ali, ao lado dele. Devia ficar sozinha. Calçou as meias novas que tinha comprado no dia e que nunca mais usou com medo de má sorte, juntou a mochila. Engoliu o choro reservando a tristeza pro chuveiro de casa. Encostou os dedos quentes na maçaneta, sentiu o choque, girou a chave. Com o corpo todo do lado de fora do apartamento, bateu a porta. Essas superstições…

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