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Lugar comum

nara vida by ozias filho
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Num desses dias, conversando com um amigo, falávamos sobre o primeiro livro para adultos que publiquei. Isso foi em 2015, chamou-se Lugar Comum e foi um livro ingênuo. Meu amigo, curioso para ler o livro que já não se encontra facilmente, me fez pensar no comprometimento que nós, autores, temos com o que escrevemos e o tempo dessa escrita. Acho interessante pensar no Lugar Comum. Hoje, todos os textos que lá estão, talvez estejam tão distantes de mim quanto Guarani está geograficamente falando.
Quando comecei a escrever as crônicas e contos do livro, escrevi sem qualquer pretensão, postava no Facebook sem pensar muito. Quando fui convidada a publicar aquele exercício num livro, fiquei tão feliz quanto surpresa. Pensei se seria de interesse de alguém, que não fosse de Guarani, ler o que estava lá, já que as histórias são, em maioria, reminiscências, e essas nostalgias são sempre tão íntimas. Mas, mal sabia eu que o que eu sentia acabava por preencher o sentimento de muita gente porque o livro é sobre um tema maior que Guarani: é sobre partir, seus desdobramentos e descobrimentos.
Tive apreensão quando meu amigo disse que iria ler o livro já tão velho dentro da escala de movimentos que faço. Mas, o que acontece é que aquele primeiro livro ingênuo também sou eu. Cada fragmento faz da minha escrita o que vejo como o seu conjunto. E uma peça importante é o Lugar Comum que me tirou de uma escrita para crianças para uma escrita para adultos, que é onde gosto de estar agora. Eu me lembro que o livro que veio depois, A Loucura dos Outros, foi como se eu quisesse dizer que eu não era feita daquelas doçuras e nostalgias do primeiro livro. Que, em vez disso, trazia lugares sombrios e desesperanças através do desequilíbrio que chamei dos outros, mas são meus, possivelmente. E vejo como esses elos da minha escrita se completam, ainda que tão diferentes. Enquanto pensava no Lugar Comum, revi um vídeo que fiz para promover o livro. Que bonito que as imagens que me preencheram enquanto escrevia aquelas crônicas ainda me emocionam. Talvez a gente não saia mesmo de onde tenha vindo.
Quis, por isso, celebrar essa forma de começo e publicar o último texto dele, que escrevi para um grande amor que me envolveu com seu interesse profundo por mim quando nem eu mesma sabia direito do que era feita. Chama-se “Por pouco”:
Aquele amor tinha começado pelo fim. Quando aos doze anos virava moça visível aos olhos dos outros e temia que a blusa de tecido ralo do uniforme mostrasse o coração aos pulos, prestes a encontrar na escola o que se tornaria o amor da vida. Evitava cruzar olhares com quem pudesse tirá-la do eixo, fazer do seu rosto fogo vivo, e do coração carne crua.
Era tanto amor que dificultaram tudo o que puderam. Tinham tanto receio de espatifarem em cacos tamanho amor que pouparam tudo, cada gota dele. A vida precisa de juízo. Amor daquele jeito só podia ser exagero, excesso. A vida precisa ser comedida, vivida em parcimônia, senão estraga, faz mal. Aquela batida pulando de amor dentro do uniforme passou pela vida e viu outras roupas. A concomitância do quente e do frio que fazia os olhos salgar de amor, com suspiro e tantos outros doces, ela só sentia com o amor de sempre. Aquele. A moça vinda de fora, o menino que falava inglês, um giz, uma partida de vôlei, uma carta, um bilhete. Tantos bilhetes, explicaram que não era possível. Explicaram que aquele amor desajeitado crescia para não acabar mais.
No degrau da rua onde passava vida de todo o jeito, ficou esfarelado o amor dos dois. A prefeitura já limpou a rua, o degrau há tempos. Mas os dois sabem que ficou ali quebrado o que tem pra consertar. Preferiram não viver o maior amor do mundo inteiro e que, por isso, continua sendo de uma forma impressionante, infinito. E se você olhar lá estão, inteirinhos, feitos aos pedaços.
Paisagem inacabada. Assim concluída.

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