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O paraíso

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Ah, o inferno! Um lugar cheio de gente que eu amo. Um lugar habitado por amigos e amigas que vivem suas vidas dentro da diversidade de ser humano. O inferno é o lugar onde se encontram todas as pessoas que cuidam da própria vida e que desejam o bem e a alegria dos outros. O inferno se parece com a minha ideia de céu. É para lá que eu quero ir. Deus me livre e guarde de morrer e ir para o céu dos pastores e moralistas. Deus os perdoe pelas falas hipócritas, pelos julgamentos, pelos seus tetos de vidro.
O que você faz dentro de quatro paredes não é problema seu? Claro que é! Então, por que essa fixação pelo prazer alheio? Ah, claro, é o prazer. Não é permitido o prazer ou o riso ou os olhos brilhantes ou a gargalhada franca ou a arte ou o gozo. Isso, essa felicidade toda, só pode ser trabalho do demônio. Quando rapazes e rapazes, moças e moças viram um casal e começam a viver a felicidade de ser quem sempre foram, isso mexe com a cabeça dos moralistas porque eles não são feitos dessa coragem toda. São feitos de temor, vergonha deles mesmos, hipocrisia. Escândalo é a gente estar aqui, escrevendo sobre isso até hoje. Inferno é este aqui nesta terra de pessoas que apontam seus dedos e discursos de ódio a uma pessoa que escolheu viver sendo quem ela sempre foi. Ou ainda há alguém aí que acredita que ser gay é uma escolha? Será que alguém aí ainda acredita que um homem que gosta de estar com outro homem é resultado de falta de uma educação rígida? Será que há alguém que me lê que pensa que uma mulher gosta de outra mulher porque ela ainda não teve um homem “certo”? Muito bem, o céu dos chatos e dos feios e dos que julgam e dos que têm ódio é todo de vocês que acreditam nisso. Eu quero mesmo é ir dançar Madonna e Cazuza no inferno com todos os meus amigos enquanto bebo uma gin tônica. (Aposto que lá no céu não tem bar.) Eu cresci cercada de amigos: meninos e meninas. E alguns desses meus amigos não eram amigos gays: eram amigos. Com alguns deles não tenho mais o mesmo contato que antes porque esta vida também dá conta de separar almas iguais. Mas estão aqui dentro da melhor e mais generosa parte que eu tenho em mim. São pessoas que comeram o pão que o crente amassou. São pessoas que penaram por serem quem são. Foram meus confidentes, foram meus afetos e ainda o são. Vocês acompanharam a bagunça dessa polêmica sobre a empresa de produtos de beleza que contratou um homem transgênero para ser a cara da marca na campanha do dia dos pais, né? Pois pelo que se sabe, o sujeito é para lá de carinhoso, atencioso, gente fina e cuida do filho como um pai realmente o faz. Mas, foi lá o pastor, o hipócrita e o crente que é cristão censurar a campanha. “Aquilo não pode, um absurdo, uma afronta. Como ficam os valores e a moral?” Então, papai que deve grana para pagar pensão da filha, pode? Papai que bate na mamãe depois de beber com os amigos, pode? Papai que tem casinho fora do casamento, mas não falta a uma missa, pode? Papai que nunca tem tempo para a companhia dos filhotes porque tem que enriquecer, pode? Papai que abandonou o filho e a mulher, pode? Esse moralismo que é contra a própria existência das pessoas é, sim, uma afronta. Relaxa, gente. É preciso ser feliz, é preciso ser quem a gente é. Viva o religioso que celebra a paz e o amor! Cada um sabe das próprias sinas, afinal de contas. Mas que fique claro: o amor nunca é pecado. O céu talvez pertença aos hipócritas, aos que estão prontos para censurar a identidade do outro. Porém, o paraíso, o meu paraíso é de puro amor. Amor ao próximo com um bar, música, livros e vista para um arco-íris.

Deixo vocês com um poema da brilhante escritora mineira Adriane Garcia.

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Mandante
O lobo
Não se disfarça de
Ovelha
O lobo
Se disfarça de
Pastor

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(Adriane Garcia, em “Garrafas ao Mar” – Editora Penalux)
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