João, como quase todo brasileiro, acordou bem cedo na segunda-feira. Aproveitou que a família dormia e ligou a TV num volume quase inaudível, queria poupar a todos do som. Nos jornais, que nascem com o sol, ele viu as notícias da rodada do final de semana. Principalmente aquele jogo, o mais polêmico, no qual o juiz, nome da partida, não apontou para a cal, naquele pênalti claro. Depois, preparou o café, levou os filhos para a escola e foi lá ganhar o leite de todos. Educador, advogado, jornalista, dentista, químico, engenheiro, operário, ser-humano. Em síntese: João era mais um honesto trabalhador.
Deu uma da tarde, foi lá almoçar com o chefe no quilão do centro, escolheu aquela mesa, a mais longe da televisão, não queria saber dos programas esportivos, já tinha visto tudo pela manhã, na verdade queria que o chefe também não visse. Após o trabalho pretendia voltar pra casa, curtir a família, ou sair com os amigos, mas foi cuidar do seu preparo físico, essencial na sua vida. Depois, já cansado, não restou outra coisa, voltar para a família e dormir. O brasileiro repetiria a rotina no dia seguinte, exceções feitas a algumas quartas-feiras e ao final de semana, quando ganha dinheiro com outro trabalho.
Ele queria ter tempo para se preparar para seu outro trampo. Estudar, dedicar, reciclar, aprimorar e principalmente descansar, pois o pai de família viaja semanalmente. O que encara como outra profissão, os gestores do nosso futebol encaram como “bico”. João é árbitro de futebol. Deixou de marcar um pênalti no último final de semana, errou, é humano, reconheceu que estava mal colocado e não viu o toque do pé do goleiro na canela do atacante. Seu filho foi zombado logo que chegou à escola, o chefe já tinha lido na página de esportes sobre a atuação do companheiro. Sua mãe foi xingada, sua honestidade foi botada a prova. No próximo final de semana ele não apita, está suspenso, talvez por mais umas três rodadas. Ainda bem que o João tem outro emprego, onde encaram seu trabalho como profissional.