Vamos jogar queimada?
A convite da Tribuna, cozinheiros de JF falam sobre tendência gastronômica de tostar certos alimentos (e apresentam preparos!)No fundo, no fundo, aquela “queimadinha” na comida é um elemento de peso na cultura gastronômica brasileira, sobretudo na mineira. “É só pensar que muitas pessoas gostam da ‘rapinha’ do angu ou do arroz que fica na panela, daquele pão na chapa que fica mais queimadinho… isso prova que o amargor típico dos tostados não só é apreciado, como é mais comum do que se imagina”, diz o chef Caíque Fonseca, da Das Haus Comedoria. A convite da Tribuna, ele criou um prato em que todos os ingredientes passam por processos que os deixam com um ar de chamuscado (ver receita abaixo). O preparo é simples e ideal para quem quiser testar a tendência gastronômica sem ter muito trabalho.
Se usar o “queimadinho” em todos os elementos da receita pode parecer excessivo, a harmonização com outros sabores naturais e o conhecimento de cada alimento resultam em um prato cheio de personalidade e equilíbrio: bacon caramelizado com queijo coalho, legumes e tomatinho sweet grape. “Os legumes e os tomates têm açúcares naturais e, quando expostos a mais tempo de cocção, ganham um sabor muito diferente daquele a que estamos acostumados. O bacon já é defumado e, tostadinho, fica ainda mais marcante. Para combinar com os outros ingredientes, que ficam menos ‘adocicados’ do que seu normal, usei açúcar mascavo para caramelizados para criar um contraste muito interessante: nem muito doce, nem muito defumado. Por fim, o queijo coalho traz o crocante da casca, o interior molinho e o paladar característico do ingrediente.” Para harmonizar, a sugestão é uma Rauschbier, cerveja feita com grãos defumados. “É uma harmonização por similaridade de paladar, e não contraste.”
Para Caíque, brincar com os processos de cocção permite que se imagine a culinária de uma maneira diversa da que se vê no cotidiano, sobretudo nos restaurantes. “Por causa da combinação de sabores entre os alimentos, não usei sal nem outros temperos, os legumes e os tomates foram feitos na mesma chapa que o bacon”, explica o chef, fazendo o alerta. “Em carnes magras como frango e peixe, além de não acrescentar o sabor, a consistência pode ficar dura, o aspecto, ressecado, e o sabor, amargo, não dá.”
Brigadeiro com cristais de caramelo
Na confeitaria, o efeito chamuscado é famoso em alguns preparos específicos, como o do crème brûlée (sobremesa tradicional francesa com uma casquinha queimada e em textura mais sólida que o creme doce) e alguns tipos de merengue (o suíço muitas vezes vem queimadinho, cobrindo tortas e mousses). Mas para a doceira Juliana Duarte, da LeJu Doceria, o efeito pode ser usado em muitos outros preparos. “É uma forma simples de trazer mais sabor e textura a qualquer tipo de prato, além de proporcionar apresentação bonita e elegante”, opina.
Ela preparou um brigadeiro inspirado no crème brûlée, feito com leite condensado, creme de leite, gemas e baunilha, enrolado no açúcar cristal e finalizado na chama do maçarico. O resultado é um docinho com uma fina crosta dourada, com o sabor característico do açúcar caramelizado.
Nem só de pães ‘clarinhos’ se faz panificação
Segundo o padeiro Malio Aflisio, da São Bartolomeu Bakery, para que os pães fiquem com um aspecto mais tostadinho, usa-se apenas o forno a altas temperaturas. “A ideia não é queimá-los, mas assá-los para que fiquem com uma crosta acastanhada com tons de marrom e dourado escuro, o que chamamos em panificação de bien cuit, ou, em tradução livre, bem assado. Desta forma, conseguimos extrair alguns aromas e sabores mais complexos presentes nos grãos utilizados, que não conseguiríamos assando-os por um período menor de tempo.”
A crosta mais escura é indicadora de benefícios à saúde por causa de dois processos: a reação de Maillard e a caramelização. “A reação de Maillard transforma todos os alimentos quando submetidos a altas temperaturas. Essa mudança ocorre em nível molecular na superfície do alimento e é um dos fatores que contribuem para a cor mais escura e o aprofundamento dos aromas e sabores. Já a caramelização é a degradação do açúcar natural dos grãos que não foi consumido durante a fermentação. Assim, um pão bem assado tem menos açúcar.”
O padeiro conta que, na panificação, ainda há uma certa resistência com pães com a crosta mais amarronzada. “Na cultura gastronômica brasileira, qualquer pão assado com uma cor mais escura que um pão francês já é considerado queimado.”
Bacon caramelizado com legumes, queijo coalho e tomatinhos sweet grape
Ingredientes
– 1 manta de bacon
– 1 cenoura cortada em fatias finas
– 1 pimentão vermelho cortado em tiras
– 1 pimentão amarelo cortado em tiras
– Tomates sweet grape (quanto baste)
– Queijo coalho em cubinhos (quanto baste)
– Açúcar mascavo para caramelizar (quanto baste)
Modo de preparo
Corte a manta de bacon em uma tira de cerca de 1 dedo de largura. Em uma chapa ou frigideira, disponha a peça e deixe fritar, soltando a gordura da carne. Doure dos dois lados. Depois que a gordura se desprender, acrescente a cenoura e os pimentões. Acrescente os tomatinhos e retire assim que a pele começar a murchar e ficar com um aspecto tostado, sem deixá-los “estourar”. Retire o bacon e os legumes quando estiverem tostados.
Em um prato à parte, “enrole” o bacon já pronto no açúcar mascavo e em seguida doure com o maçarico até o açúcar derreter e criar um efeito caramelizado. Monte o prato com os ingredientes a seu modo e depois que o queijo coalho estiver posicionado, doure os cubinhos com o maçarico até obter uma crosta tostadinha.